Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Os Mineiros, A Humanidade e a Ternura: Chi Chi Chi, Lê Lê Lê!


19/10/2010

Foto: autor desconhecido.

 As grandes histórias, mostram a natureza humana sob pressão e nos projetam nos personagens, nos fazem perguntar o que faríamos em seus lugares.” (Daniel Piza)

Como todo o mundo, acompanhei eufórica e claustrofobicamente, o resgate dos 33 mineiros no Chile, da mina de São José. Fiquei suja de carvão, faltou o ar, chorei a cada saída do Sputnik Fênix 2, vivenciei cada drama e claro, construí minhas próprias estórias.

Como todo o planeta, meu vocabulário durante os dias de preparação passeava por dentre palavras tão pouco navegadas, digo perfuradas do meu cotidiano: Copiapó, brocas, sondas, alívio, profundidade, confinamento, silicose, soterramento, sobrevivência, tensão, Florêncio Ávalos, operação, deserto do Atacama, acampamento Esperança, solidariedade, socorrista, brigadista, cápsula, expectativa e angústia e por fim a palavra mágica e confortante, resgate!

O escritor Antonio Skármeta (O Carteiro e o Poeta), no Estadão de 17/10, num belo artigo, Os Mineiros e o Poeta, fala que “As cenas do deserto chileno, carregadas de metáforas de nascimento e ressurreição, mexeram com o inconsciente poético da humanidade”. Skármeta, sendo também um cidadão do norte chileno, de Antofagasta, ainda avalia que: “quando alguém vem do norte do Chile, tem a reputação de que suporta bem as dificuldades, o rigor do clima, trabalha duro e não vê muito verde….Então, a riqueza do Chile do norte está escondida debaixo da terra. E, para se chegar a ter alguma coisa, é preciso mergulhar na escuridão.” E para esse homem acostumado com todas as faltas, ele ainda justifica: “Quanto mais difícil é sua vida, mais sensível é um homem à dor e à solidão do outro.”. Nas suas belas palavras, ele também indaga sobre os motivos de tanta comoção, uma vez que nunca acreditou que a humanidade tivesse tanta ternura. E explica levantando três hipóteses: Primeiro a descida da câmara de vídeo e o fenômeno midiático imediato. Segundo porque no inconsciente poético da humanidade há essa imagem da formação cristã e também budista, que é a idéia de renascimento. O retorno de alguém que está enterrado. E terceiro, o fato da terra dar frutos, oferecer à vida. A cena do resgate é comparada por ele à um parto, uma emoção universal.

O jornalista/escritor Daniel Piza, uma semana antes, também no Estadão de 15/10, também fala de nascimentos, de partos, quando se perguntou o que é uma grande história? Seria a surpresa, a reversão dos rumos, os detalhes significativos ou simplesmente àquelas estórias que de imediato todos a reconhecem, como a dos mineiros.

Muito se falou também no espetáculo midiático, no reality show, por conta do confinamento, mas Piza também as diferencia, ressaltando o fato das escolhas prévias, das rotinas, dos resultados, do drama inesperado e involuntário. E conclui: “Era a realidade, em seu caráter duro e complexo, não um simulacro, não uma imitação maquiada, – e sim o fato em si, o fato que teima em existir numa era em que tudo seria apenas versão e diversão.”

Concordo com Piza quando diz que histórias de mineiros sempre povoaram o imaginário, frente ao perigo iminente de desabamento. No meu caso, e até porque não temos minas no nosso contexto, o meu perigo imaginário é povoado por trens e trilhos, etc…Será que Freud explica? Desde pequena quando passava férias no Engenho das primas em Pilar, e que íamos passear, jamais me autorizava a perambular por sobre os trilhos, estava sempre a ouvir um piuí, por mais deserto que aquele lugar parecesse. Esta semana mesmo li nos jornais locais sobre a morte de um rapaz em Mandacaru por estar empinando pipa na trilha do trem. Nada mais trágico e também poético, se é que podemos dizer: A Pipa e o Trem – Uma morte anunciada!

Desde a primeira notícia desses mineiros-heróis, que a primeira idéia que me veio à cabeça foi o filme A Montanha dos Sete Abutres, que tive oportunidade de ver durante um curso de cinema com o mestre João Batista de Brito há alguns anos na pós graduação da UFPB. Piza também aponta o filme no seu artigo, e ainda complementa com George Orwell e o seu relato por entre os mineiros na Inglaterra: O Caminho para Wigan Píer, onde relata o sofrimento primeiro já desde ao longo do túnel, onde agachados, esses homens répteis se arrastavam até o local do garimpo.

Como não lembrar também de D,H. Lawrence, sua vida nas minas, seu pai, um mineiro tão bruto, o seu romance autobiográfico – Sons and Lovers, mas que depois irá ser revisto pelo filho como puro instinto, em oposição às convenções Vitorianas.

E nas profundezas, todos os instintos saltam veraz e ferozmente, diante da fome, da sujeira, da morte eminente e literalmente do buraco sem saída. Saramago tratou lindamente, desses estados sombrios em Ensaio sobre a Cegueira. Qual a lei que rege o espaço onde não se tem saída? Quais os critérios a obedecer? Meia colher de atum ao dia? E a humanidade é tão perversa que, quando tais mineiros foram encontrados, a cobiça e briga já começavam muito antes, já no Acampamento Esperança, por entre os familiares. No buraco, também teve mineiro que não quis aparecer por ser terceirizado, outros reclamavam dos que tinham aparecido demais… E o espaço midiático apenas dava seus primeiros passos. Políticos, NASA, técnicos, imprensa, anônimos, familiares, todos viramos um mar de abutres. Mas, diria, uns abutres do bem…

Li a crônica de Bráulio Tavares (Jornal da Paraíba, 15 de outubro)- Os Mineiros e os Anões, que veio ilustrar exatamente o que já vinha matutando. O número 33 e toda sua mística, mas além disso, o fato do individualismo oculto da personalização da notícia.

A força das estórias individuais: Um mineiro que era boliviano, e rejeita emprego de Evo Morales – Chega de Minas! O mineiro para-médico que tinha duas mulheres, e a repórter troca os nomes: quem é quem? E quem tem mais o direito de estar sob os holofotes; ganhou a namorada!; um outro envolvido com drinks e drogas, mas que jurou parar(?) e pediu a companheira em casamento, já que esta negava-se a casar frente os vícios do amado. Um outro queria uma foto do sol; o religioso, que mantinha a fé de todos, para que não se canibalizassem, embora o assunto tenha rolado lá embaixo, na escuridão da terra. Um outro eufórico, o Super Mário, que trouxe as pedras que encontrou no meio do caminho- a prova cabal da sua explosão interior… O torcedor do Colo Colo, que aniversariou por entre fuligem e escombros, e Don Lucho, o líder, que ao subir, ao invés de cair na maca, exigiu melhores condições de trabalho, e agradeceu à equipe de salvamento: “Passo meu Turno”, exclamou categoricamente para o presidente do Chile, Sebástian Piñera, que assim como ele, não continha a emoção. E nós, eu, no conforto do meu quarto, a acompanhar aqueles homens sujos, se comendo por dentro, os dentes infeccionados, a pele se corroendo de partículas cinzentas; o tédio x desespero embaixo da terra; e em seguida o alívio dos bilhetes, das roupas limpas, das barbas feitas, dos choros e promessas face ao retorno à vida.

Retorno esse que sabemos ser tão difícil após 70 dias confinados no fim do túnel. Pós trauma, depressão, ansiedade, deslocamento, inadequações, sabemos todos, ou imaginamos o quanto é difícil uma vida normal depois de tanta anormalidade. Fiquei bem intrigada com os mimos: férias nas Ilhas Gregas, noites de Streap Tease; 10mil dólares; jogos no Real Madrid; Elvis Presley Foundation, e uma viagem para Menphis; pensão ; bolsas; roteiros para entrevistas; livros e filmes Hollywoodianos. Como os mineiros irão lidar com tudo isso? Ontem ouvi uma entrevista de um deles, com muita raiva, exigindo segurança. Falava que sentiam a terra tremer lá embaixo e ouviam dizer que estava tudo bem. Uma coisa é certa. Acredito que as minas no Chile, se abalaram por completo e não serão jamais as mesmas. Nem os mineiros, que se/não virarem celebridades, contarão suas próprias estórias.

Muitas foram as críticas também sobre o pegar carona dos políticos, no caso o presidente do Chile, o ministro das Minas, mas como não ficar ali perplexo, mesmo que o fato rendesse dividendos nas urnas, ainda mais, depois de um terremoto daquelas proporções que o Chile enfrentou há meses atrás. Ora, se todos os mortais não saíram de frente da TV, os políticos nessas horas, acho eu, com toda minha ingenuidade, que eles antes de mais nada, se rendem à tragédia humana, ao drama de reação e criatividade, em sintonia com um país latino-americano que se destaca por seu desenvolvimento humano, como ressaltou Piza.

E, saindo do sucesso do resgate dos 33 mineiros, estivemos diante de outros tipos de resgates, o do exercício da democracia; por aqui debate dos candidatos ao Governo da Paraíba, da Presidência da República; a data quase invisível do dia do Professor, esse profissional que hoje beira a histeria e exaustão…, e uma discussão imprópria e atropelada sobre o aborto e religião. Assuntos para épocas não eleitoreiras, prontas para outra oportunidade, e que meu e-mail deu uma pane de tantos textos prós e contras, misturados com sentimentos mais contraditórios que Fênix nenhuma era capaz de transformar: Raiva, usurpação, desinformação, preconceitos, oportunismos etc.

E o domingo está com sol intenso, verão no ar. E é essa luz do meu quintal iluminado, que envio daqui para esses 33 bravos pequenos grandes homens chilenos, que acabam de ver não o sol quadrado, mas radiante como a própria vida.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 16 de outubro de 2010


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