Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Os Meus Anos 70


07/10/2014

Foto: autor desconhecido.

Recebi a visita da jornalista Astrid Bakke para uma entrevista no seu prestigiado programa Estilo A, e depois de falar da infância, família, eis que me pergunta da adolescência, da vida, dos casamentos….E os anos 70 passearam pela minha memória…

Os anos 70 para mim é sempre um assunto recorrente. São os anos de chumbo da minha vida. Tendo como pano de fundo a ditadura brasileira. Foi a década em que fui adolescente, descobri a vida de adulta, perdi a inocência, amei, casei, estudei, viajei e me separei, não necessariamente nessa ordem. Foram muitos ritos de passagem vestida com túnicas indianas, cabelos ao vento, e chinelo de dedo. Foi um rio que passou em minha vida…

Foi uma década paradoxal para mim. Se por um lado o país fervia de sombras e silêncios e autoritarismos ditatoriais, por outra era o meu amor pela jovem guarda, pelos festivais de música, pelo cinema de arte do Municipal, os amores, as descoberta do sexo, Beatles (um pouco antes), festas, dançar de rosto colado, boate do Elite, serenatas, e que tudo mais fosse para o inferno.

Sou da geração pós engajamento na política, que não fazia movimento estudantil, e que sabia que algo de podre acontecia na Dinamarca, mas os interesses eram mais imediatos e mais alienados mesmo. Que cantava Geraldo Vandré, mas se encantava mesmo era com Roberto Carlos e Caetano e Chico. E revirava os olhinhos vendo a Banda passar na saída das Lourdinas e no frisson da festa das neves. – uma tira prosa!

E por entre os jambeiros fúcsia da Av. Coremas e as mangueiras da Maximiliano Figueiredo, eu ia desvendando o meu vasto mundo, mesmo morando numa província, onde tudo era proibido. Para as moças. Mas lá em casa a pancada do bombo era diferente, e eu enfrentava os costumes e como podia, comia lá minhas beiradas.
Minha geração cantou Let it be e With a Little Help from my Friends…Namorou já com mais liberdade sexual. E nem se casava mais virgem. Nunca achei isso um problema. Experimentávamos as drogas , ainda com resquícios românticos dos hippies e seus slogans, e ainda os restos da contracultura. Gostava de ler Castañeda e ouvir Victor Jara e Mercedes Sosa. Fui sim na passeata de 1968, mas com minha mãe do lado….um mico? Mas ainda era menina. E admirava Eduardo Jorge (PV), que já naqueles tempos fazia política com seu cabelo comprido de rapaz politizado. Seu irmão mais novo era sim onde meus olhos pairavam.

Fui intercambista em 1971 e vivenciei a atmosfera de Hair lá nas terras de Tio Sam. Inebriada pela liberdade dos jovens e pelas calças Lee índigo blue! Neil Young, Woodstock e The Who. Satisfaction – era ter uma calça desbotada e dançar nos inferninhos da Ohio State University.

Musa – devo ter sido , um tempo. Escuto isso nos cochichos aqui e acolá… Sem saber ao certo do que se tratava. Era feminista já. Incomodava-me não poder namorar como queria, sair sozinha, e falar de sexo abertamente. Depois me casei – aos 19 anos e descobri rapidinho que mulher casada que anda sozinha é andorinha! Difícil administrar minha cabeça. Não queria ser mãe tão jovem. E logo me transformaram em estéril! Sofria por me sentir inadequada. Não sabia muito bem qual era o meu lugar de mulher casada, e a revolução sexual explodindo aos quatr ventos. Claro que essa estória teria consequências. A sensatez não faz parte da juventude. E jogávamos merda no ventilador. E pisávamos nas jacas o dia todo. E tinha preço. Fui feliz sim. E esses tempos nada mortos me deixaram viva por demais. Ladeira abaixo. E de olho nos abismos que me convidavam. E pulei sem rede.

Em 1975 descobri London London e toda as transgressões dessa cidade …..Queria ver o Big Ben e a batida das horas da moda, de Twiggi, de Mary Quant, das lojas Bibba, e me perdi em Portobelo e Notting Hill, muito antes de Julia Roberts. Nunca mais fui a mesma! Um cristal de resquícios de uma moça bem comportada se quebrou dentro de mim. Ninguém sai incólume daquela cidade. Nunca te vi, sempre te amei!

Em 1978, o Bar Boiadeiro nos embalava de sambinhas de mil notas. Jogar fresco-ball na praia, pintar os setes, oitos e noves, = Perdas e Danos. Muitos. E aí a vaca tossiu. E os bares da Xoxota, do Meu Cacete, e do Motor Car, as más e boas companhias, foram os meus anos de chumbo propriamente ditos. Perdida na noite, eu sentei no meio fio, todos e – Chorei. Chorava com as cervejas, as cachaças, e pelas Roads not Taken. Todas as ruas me levavam ao delírio. Drogas? Sim! Intervenções? Sim! Malandragens? Sim! Falta de ética? Sim! Faltas? todas. Era a delícia de pertencer à marginalidade. Help! Meu George Harrison, dear. Sentia-me uma trapezista sem rede de proteção. My Sweet Lord!

E quando os anos 70 terminavam sua década, eu estava doente. Tinha vertigens de ver o mundo. E queria morar sozinha, afirmar minha liberdade tão duramente conquistada, e assobiar e chupar cana. Andar de bicicleta nas varadas das noites. Era o ano, o meu ano, que não terminou. Depois Zuenir Ventura me contou! E terminaram meus sonhos. Sonhos de Kurosawa que eu nem tinha assistido, nem mais sabia quais eram. Tinha muitos namorados. Mas nenhum para chamar de meu. Queria distância do grupo Tarancon! Uma dor gélida em enfrentar as perdas. E os tempos que nunca mais voltariam. Muitos se perderam. Morreram. Overdose de tudo. Mas a minha sensatez me cuidou. Tinha sempre uma luz vermelha nada bandida que me acendia e me gritava: Pare, agora! E parei! Edifício Gravatá. Beira mar do Cabo Branco. Lua Cheia. A luz do dia. A calada das noites. …Tudo escuro. E sem luz no fim do túnel. Pânico. Uma síndrome nova que me espreitava nas escadarias. Não sabia o que era. De repente, tudo escurecia. E um medo avassalador. Medo de morrer. Medo de viver! Mas viver era preciso! Vai lá, me dizia Lou Salomé: “Não te enganes. A vida vai tratar-te mal. Portanto, se quiseres vier tua vida, vai, e toma-a!” Psicanálise. Ronaldo Monte por trás dos montes. Do lado de lá. Uma correnteza dos bosques de Lappin e Lapinova – Virginia Woolf. Ler Água Viva – um desafio, não entendia nada. Baía Formosa! Pipa e Rio de Janeiro. Língua. E Caetano. Veloso – Adoro Nomes!

Mas eis que os 80 chegaram, e cada dia era outro dia. Cicatrizes sim, e a luta continuava. A grande metamorfose ambulante eu me permitia. E dia sim dia não, construía outros horizontes. A maternidade me deu régua e compasso. E amamentar Lucas foi sim um Norte. Depois, ah! Depois, os trinta já chegavam e junto com eles a possibilidade de amar, amar, e amar. E isso, fez toda a diferença.

A estrada escolhida, não era a mais verdejante nem a mais caminhada…..mas as escolhas das minhas Horas, foram minhas. Somente minhas! E eu uso óculos escuros! E saia florida. Até hoje!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 07 de outubro, 2014


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