Opinião
Os “fiscais de Sarney”
18/05/2025

Na segunda metade da década de 1980, o Brasil experimentava os primeiros anos da redemocratização, impactado pelos efeitos de uma crescente inflação herdada da ditadura militar. O presidente José Sarney, preocupado em combater os preços abusivos então praticados, decidiu adotar uma série de medidas emergenciais, por orientação do ministro da Fazenda, Dilson Funaro. A taxa de inflação havia chegado a 350% em apenas um ano.
Em 28 de fevereiro de 1986, os brasileiros foram surpreendidos pelo anúncio de um plano de estabilização não recessivo, denominado Plano Cruzado, que, entre as diversas normas apresentadas, previa a troca da moeda — o cruzeiro — pelo cruzado. A nova moeda nascia com três zeros a menos; ou seja, um cruzado correspondia a mil cruzeiros. Além dessa alteração monetária, determinava-se que os preços, os salários e a taxa de câmbio ficassem congelados por tempo indeterminado.
Na ocasião, o presidente pronunciou um discurso nos seguintes termos:
“Cada brasileiro ou brasileira será, e deverá ser, um fiscal dos preços. E aí posso me dirigir a cada brasileiro ou brasileira para investi-lo num fiscal do presidente na execução fiel desse programa, em todos os cantos deste Brasil. Ninguém poderá, a partir de hoje, praticar a indústria da remarcação. O estabelecimento que o fizer poderá ser fechado, ensejando a prisão dos responsáveis.
Convoco o povo brasileiro para viver este grande momento. Este programa não é um programa meu. Ele é do Brasil. É pelo Brasil que nós estamos lutando.”
Os brasileiros estavam sendo convocados a atuarem como “fiscais de Sarney”. O governo distribuiu tabelas com os preços uniformizados. Nos primeiros meses, os consumidores se engajaram na fiscalização, apontando os comerciantes que não estavam obedecendo às determinações, chegando, inclusive, a provocar o fechamento temporário de estabelecimentos.
A princípio, as medidas tiveram repercussão popular positiva, até porque, logo após o anúncio, a inflação cedeu de 14,98% em fevereiro para 5,5% em março e –0,58% em abril, e o poder de compra dos assalariados aumentou. A ação dos “fiscais de Sarney” aqueceu o comércio, agradando a uma população que estava penalizada com a inflação constante, graças à participação voluntária dos consumidores, nos pontos de venda, na vigilância do congelamento. As dívidas deixadas pela ditadura militar proporcionavam uma fantasiosa sensação de melhoria real de vida para os brasileiros. O entusiasmo dos “fiscais de Sarney” foi desaparecendo quando se viram impotentes diante da força do capital. Porém, já no segundo semestre do ano, o governo passou a enfrentar desgastes em razão da falta de alguns produtos nos supermercados — dentre eles, a carne — como manifestação de insatisfação dos pecuaristas. O congelamento de preços entrava em choque com a lógica dos mercados capitalistas.
Em setembro, ocorreram várias greves de trabalhadores em nível nacional, iniciadas pela categoria bancária, contra o Plano Cruzado. A inflação voltou a crescer desenfreadamente no final do ano, forçando a edição de um novo plano econômico em 21 de novembro: o Cruzado II. Segundo economistas, o fracasso do Plano Cruzado I se deu pela incapacidade do governo em atacar a causa principal da inflação, que era o financiamento do déficit público por meio da emissão de moeda pelo Banco Central.
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