Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Política

Os bezerros de ouro da política nacional


08/10/2024

Assisti hoje um vídeo em que mostra o clima de revolta e desespero de alguns eleitores do Pablo Marçal na derrota sofrida domingo último. Eram manifestações que, muito mais do que causarem surpresa e perplexidade, produzem sentimentos de comiseração, compadecimento, pena, por aquelas criaturas que levantavam as mãos aos céus clamando por um milagre divino para alterar o resultado das urnas em favor do seu candidato. Aglomerados na Avenida Paulista, em São Paulo, gritavam, se ajoelhavam em orações e se diziam defensores do Brasil diante da ameaça comunista. Seu novo ídolo tratado como um “messias”, um salvador da pátria. E ele, percebendo isso, usando irresponsavelmente o nome de Deus, submetendo-os cegamente às suas orientações, ainda que, perceptívelmente, contrárias aos mandamentos cristãos a que se diz pregador, porque adota o discurso do ódio, do rebaixamento humilhante dos adversários, da truculência e da prepotência. Bem semelhante ao que presenciamos em 2022.

Lembramo-nos, por analogia, de uma das narrativas mais famosas da Bíblia Hebraica que diz respeito ao Bezerro de Ouro. O povo de Israel estava dividido em dois grupos distintos. Os hebreus recém-libertos da escravidão no Egito não suportaram esperar Moisés descer do monte Sinai com as tábuas da lei, Os Dez Mandamentos. Em um movimento que a psicanálise chama de regressão, o povo erigiu um bezerro de ouro para idolatrar. É algo parecido com o que estamos assistindo em tempos recentes no Brasil. Surgem lideranças que se oferecem como sendo a encarnação do Messias, com capacidade de derrotar os inimigos, sejam eles reais ou imaginários. Uma parte do povo que vive na realidade paralela adere por submissão voluntária a esses enganadores, por consequência das poderosas forças motrizes da fé dogmática e das paixões destrutivas que fanatizam.

“Bezerros de ouro” são erigidos, entorpecendo seus seguidores, que renunciam à razão e esquecem que estão seguindo alguém tão falível quanto nós mesmos. Nas escrituras sagradas Moisés desceu do Monte Sinai e destruiu o bezerro, levando seu povo a enxergar novamente o caminho que tinha que percorrer. Na política contemporânea, a destruição desses “bezerros de ouro” só ocorrerá se a sociedade brasileira, na sua grande maioria, acordar para a realidade, fazendo com que sejam revelados os pecados cometidos por esses falsos mensageiros religiosos. Esses atores políticos são o que se tem afirmado como o mais representativo das trevas civilizatórias que se abateram sobre o Brasil da atualidade. Não basta ficar nos perguntando como chegamos a esse ponto. É necessário o clamor das ruas na luta que poderá nos salvar dos retrocessos históricos que insistem em nos submeter.

Que a alienação, o fanatismo e o elitismo, sejam substituídos pelo exercício da lucidez, da serenidade e da racionalidade. Assim serão diminuídos os riscos de vermos surgindo a cada dia um novo “bezerro de ouro” na política nacional.


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