Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Os amigos passantes….


15/08/2017

Foto: autor desconhecido.

Outro dia escrevi sobre a amizade e os inúmeros tipos de amigos que construímos ao longo da vida. Agora, me pego a pensar sobre os amigos que passam, os efêmeros, que um dia conquistamos, convivemos, e os caminhos diversos, que nos distanciaram, e nos tornamos quase estranhos. Estranheza de vida essa que perdemos as pessoas de vista. O mais estranho de tudo é que, algumas dessas pessoas, mesmo que se percam de nós e nós delas, quando encontramos, parece que rua nenhuma andou. E que o tempo parou. Parou na amizade que um dia tivemos. Desconfio que nem é na amizade, que a amizade parou, mas num tempo. O tal tempo da duração, (do filósofo Bergson tão difícil de estudar!) que ficou ali, plasmado no instante que nenhuma máquina fotográfica ou selfie é capaz de captar. A luz da vida. Soberana. Pairando no ar das estrelas. Inalcançável!

Há alguns dias, perdemos Ronaldo Mendonça, médico ortopedista, companheiro da vida toda de Jacinta, pessoa mais que querida de todos que, num exemplo da efemeridade da vida, se despediu de todos assim, num instante, numa cena de aeroporto, onde o acaso trocou o destino da viagem.
Com a morte de Naldo, estou pensativa e filosofando sobre o tempo, as conquistas, e os silêncios. Tanta gente que um dia fomos mais próximas e depois nos perdemos. Não era amiga de Naldo. Mas o conheci lá na minha adolescência, nos namoros da Rua da Palmeira, amigo também de Zezito Soares e Roberto Lira. Por tabela Naldo virou meu amigo também. Anos mais tarde foi médico do meu filho Lucas, que tinha pés muito arqueados e Naldo o levou para um Congresso Nacional aqui em João Pessoa para consulta com o papa dos pés. E quantas vezes fui naquela Clínica na Beira Rio, com queixas e dores. Nos encontramos pela última vez na exposição do amigo dele de infância, Flávio Tavares, assim também como toda a Rua da Palmeira. Tanto que, nem consegui ver a exposição direito . Amigos que pouco vejo, que não frequento a casa, e que não sabem nada de mim. Ou pouco! Há poucos dias, também encontrei Jacinta no estacionamento do Mag Shopping, e trocamos figurinhas da vida. Jamais imaginaria que dali há pouco, Jacinta ficaria viúva, assim como eu. A vida segue, soberana, à nossa revelia.

Quando morre um amigo assim, ir ao velório, é uma questão de honra com o tempo! com a vida! Re-encontramos o vivido e o não vivido que, na nossa memória se fundem e pouco importa a verdade da vivência. A memória inventada também é verdade! Meu pai já dizia que adorava ir em velório, porque era a maior animação em rever as pessoas, e construir assim uma imagem da sua vida. Imagem essa que cada um constrói a sua.

Minha mãe, que está quase com 90 anos, vive a falar das pessoas que fizeram parte da sua vida e que ela não sabe por onde andam ; uma espécie de paisagem humana fora de foco, e todo dia ela lista, olha no infinito a procura de si mesma. E nem conto que muitas dessas pessoas já morreram! E deixo que a sua imaginação faça os cálculos e crie as histórias. Mas também fala daquelas longínquas, que um dia cruzaram sua vida, seu portão, seu trabalho, sua vizinhança, suas festas, seus parentescos. Já comecei esse re-contar das pessoas.

Pois fiquei a pensar naquela colega que não vejo há séculos; naquele vizinho que um dia espichei o olho para ele e sumiu no tempo; naquela vendedora de frutas que um dia fui freguesa; naquela ginecologista que ficava horas esperando pra ser atendida; nos inúmeros alunos/as que fizeram parte da minha sala de aula e onde, eu era que aprendia mais; nos namorados/amantes que um dia tive e por alguma razão sumiram na poeira do vento; das trabalhadoras domésticas da casa da minha mãe (pois as minhas foram tão poucas que ainda não esqueci!), que, povoavam a imaginação daquela sala ou terraço; das turmas de sair à noite, dos bares, das cachaças, literais ou não, que eram assíduas das sextas à noite e hoje nem vejo mais ninguém nas minhas minguadas noites de uma euforia ou outra, enfim….a vida é mesmo uma passagem. Passagem nossa e das pessoas que cruzamos ao longo dos anos. Não é à toa que Virginia Woolf escreve um ensaio sobre personagem – “Mr. Bennett e Mrs Brown”, ambientada num trem, onde constrói pessoas, momentos, descidas e subidas, tudo mesclado com a arte de criar ficção.
E não adianta ficar nostálgica com as perdas da convivência com esses amigos transeuntes. A vida é assim mesmo. Intangível, escorrega pelos dedos. Se esvai. Não temos controle algum. E se essas pessoas passaram, você também passou para elas e para tantos outros. Ladeira abaixo. Numa velocidade de trem bala. Irreversível! O tempo não para nem a vida espera. Por algum motivo, momento, você segue, o outro muda de direção, gosto, tempero, circunstâncias.

E de amigo em amigo, de presentes e de ausentes, a vida segue, vai nos levando como no samba de Zeca Pagodinho. E vamos vivê-la com os presentes. Com as lembranças , as saudades, e com esses personagens fugidios das nossas vidas que foram/são, os amigos passantes.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 10 de agosto de 2017


 


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