Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Ópera do Malandro & Os Pedaços de Mim


11/12/2017

Foto: autor desconhecido.

Já cantei e chorei em crônica sobre os meus anos 70/80. Anos de crescimento, vivências todas que uma jovem menina de 15 aos 25 anos poderia viver. Conforme a música, os tempos estabanados de transgressões sexuais e comportamentais, e também sombrios, frente à política que vivíamos – a ditadura. Então, quando assisto filmes que falam dessa década, eu me entrego à memória própria, e re-vivo visceralmente cada pedaço de dor e delícia que me coube. Foi assim com O que é isso Companheiro, Cazuza, Os dias eram assim , Queridos Amigos (Séries da Globo), e tantos outros que falaram de música, como Vinícius , e esta semana, re-vendo Ópera do Malandro (1985), que fez parte do FestAruanda, em homenagem ao diretor Ruy Guerra.

Assisti também à peça musical do mesmo nome, escrita por Chico Buarque de Hollanda, que por sua vez foi inspirada no clássico de John Gay e no musical A Ópera dos Três vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, quando da sua estreia, no Rio de Janeiro, tendo como protagonistas Marieta Severo e Elba Ramalho. Nas duas versões, chorei copiosamente ao cantar O Meu Amor, que há anos atrás, se tornou meu hino de amor para os tempos amorosos que vivia na época. Hino esse que, também cantou a minha fossa, e todas as perdas & danos, vividos não só por mim, mas por toda uma geração que se jogou nos abismos. E sem rede! Até hoje choro quando cantarolo essa música. É forte, é erótica, é bolero!

Sempre fui fã extremada de Chico Buarque. De tudo – da sua música, da sua vida, dos seus olhos cor de ardósia, e muito também da sua cidadania. Nos últimos tempos de intolerância extrema, fui alvo de críticas e agressões verbais como muitos, por entender que, ser socialista não é viver na miséria mas desejar que todos saiam dela. Por tabela, fiquei também fã de Ruy Guerra. Confesso que, só agora assisti Os Fuzis! E como resistir à Calabar e à Ana de Amsterdam?

Anos atrás, 1978/79, quando para minha surpresa, conheci Ruy Guerra na minha casa, por ocasião da sua visita a João Pessoa, em pesquisa para um dos seus filmes. Fiquei paralisada, e com a minha timidez ainda explícita, diante daquele homem belo, sedutor e já famoso. Para mim, uma experiência de cinema, assim como a que vivi no filme único de Walter Carvalho – Um Filme de Cinema, onde Ruy discorre magistralmente sobre câmera, montagem, take, set de filmagem, e outras etapas da magia de fazer um filme. Ficaria horas ouvindo Ruy falar do Cinema. Como também assisti atenta à sua entrevista a Pedro Bial – também a falar da sua amizade com Gabriel Garcia Marques, e seu momento emotivo, já que tem chorado, agora , no topo dos seus 86 anos bem vividos, e com toda a saúde que a vida lhe permite. Lembrei de Erendira, (adaptado do conto de Gabriel Garcia Márquez, (A incrível e triste história da cândida Erêndira e sua avó desalmada) que assisti em 1987, na Inglaterra, quando lá estudava, e a me emocionar sozinha no cinema, me inteirando daquele universo tão familiar para mim (já tinha lido Garcia Marquez), e talvez tão estranho à plateia que me cercava.

O Fest- Aruanda me trouxe esse prazer, dentre tantos, o de re-encontrar Ruy depois de quase quarenta anos e lembra-lo desse encontro. Ele muito gentil se assustou com o tempo passado. Claro que, para mim, uma jovem nos seus 20 e poucos anos, encontros assim são sempre inesquecíveis, e que desde então, nunca mais ouvi Fado Tropical da mesma forma. Aquele sotaque moçambicano, com Chico a cantar – “Ó musa do meu fado, ô minha mãe gentil….”, me fez uma revolucionária portuguesa desde pequenina. Só Mia Couto, para complementar o que essa nossa língua nos traduz.

Pois bem, fui assistir Ópera do Malandro, o filme, com a honra de ter na plateia Elba Ramalho e Ruy Guerra, dando entrevista coletiva e falando sobre o convite para Elba para interpretar Margot, sua dificuldade em aceitar, sobre a música de Chico – Palavra de Mulher, composta especialmente para o seu personagem, e outras novidades de bastidores, que o jornalista Silvio Osias, já contou em sua coluna do Jornal da Paraíba.

Duas cenas antológicas revi: Ney Latorraca , como o delegado de polícia a cantar Hino ao Duran (que na época virou hino político), e Elba Ramalho e Cláudia Ohana, com O meu amor, dançando um tango e duelando o amor pelo personagem Max, vivido por Edson Celulari (numa atuação intocável, mesmo eu não tendo muitas simpatias por ele, já des-construída depois de revê-lo). Canção Desnaturada, é de fazer qualquer mãe soluçar; Terezinha, nome da minha mãe, cantávamos tentando acertar o terceiro pretendente!!; Tango do Covil, uma graça! E nos despedaçávamos com Pedaço de Mim, e Geni. Até hoje um hino contra a intolerância. E qual minha surpresa, o maravilhoso bailarino J. C. Violla, como a Geni.

Ao assistir o filme, fiz uma viagem no tempo. Rio de Janeiro, efervescência musical, juventude, a voz metálica de Elba Ramalho, o teatro cheio, amigos comuns, sofrência sentimental – na época sofríamos e/ou nos exaltávamos de de amor ouvindo Chico e Ruy Guerra ao invés de Marília Mendonça. E cantávamos Bárbara! “Ele sabe dos caminhos dessa minha terra; no meu corpo se escondeu, minhas matas percorreu. Os meus rios, os meus braços. Ele é o meu guerreiro nos colchões de terra. Nas bandeiras, bons lençóis. Nas trincheiras, quantos ais, ai….”

Sei que é uma vivência nostálgica, mas quem viveu os anos 70 e 80 com toda essa riqueza artística, não pode deixar de sentir um momento em lágrimas. São peças e filmes que marcaram não só a minha vida, mas a de toda uma geração e todo um país. Re-vê-los dói a alma, mas também nos regozija, por vivenciamos uma eterna epifania – a de ter vivido tudo tanto!

Bravo e todos os meus aplausos – para Ruy Guerra!
E para o Fest-Aruanda!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa , 8 de dezembro de 2017
 


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