Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Brasil

O Tropicalismo


23/05/2020

O movimento artístico-cultural conhecido como TROPICALISMO, apesar do pouco tempo em que existiu (1967/68), foi responsável por uma verdadeira revolução na concepção da arte brasileira. Atuando no âmbito das mais diversas atividades da cultura nacional, provocou acalorados debates e as mais variadas reações da sociedade e do mundo intelectual. Críticas e aprovações, vaias e aplausos, marcaram as manifestações públicas dos que avaliavam a nova tendência artística daqueles anos.

Nasceu no III Festival da MPB, em 1967, quando Caetano Veloso apresentou a música ALEGRIA, ALEGRIA, acompanhado dos Beat Boys, e Gilberto Gil, defendendo DOMINGO NO PARQUE, em companhia de Os Mutantes. Em maio de 1968, aconteceu o lançamento do disco-manifesto intitulado TROPICÁLIA ou PANIS ET CIRCENSES, álbum coletivo com a participação de vários artistas, entre eles Tom Zé, Gal Costa, Rita Lee (que integrava Os Mutantes), Nara Leão, Capinam, além dos seus principais idealizadores: os baianos Caetano e Gil. Mesclando audácia, irreverência, alegria e inovações, o movimento rompia tradições. Inaugurava conceitos e adotava experiências, afirmando-se como uma nova onda de mudanças culturais. Glauber Rocha com o “cinema novo”, Hélio Oiticica nas artes plásticas, José Celso Martinez no teatro, são exemplos da capacidade multifacetária do movimento tropicalista no Brasil.

Surgindo em plena efervescência da música de protesto, o tropicalismo não fazia uso de suas composições para manifestações políticas de contestação à ditadura militar. A juventude universitária interpretava isso como alienação, desvio do ativismo político de contestação por influência americana, em razão das guitarras elétricas e dos ritmos semelhantes ao rock. O tropicalismo procurava criar uma nova identidade cultural, livre de regras, preceitos, convenções. Não deixava de ser um movimento revolucionário, apenas não assumia o discurso de esquerda da época.

No mês em que era lançado o disco-manifesto TROPICÁLIA, aqui na Paraíba, um grupo de artistas e intelectuais promovia no dia nove, na Faculdade de Filosofia, ao lado do Liceu, um evento em que tornava público o manifesto dos tropicalistas paraibanos. Assinavam o documento personalidades conhecidas do nosso mundo artístico cultural: Marcus Vinicius de Andrade, Jomard Muniz de Brito, Carlos Aranha, Raul Córdula, Willys Leal e Martinho Moreira Franco. Na noite da apresentação do manifesto, além dos debates em defesa da nova manifestação cultural, o conjunto Os Quatro Loucos executou várias músicas de Caetano Veloso e Gilberto Gil, os iniciadores do tropicalismo.

O texto do documento, então divulgado, trazia entre outras, afirmações como: “Todos os tropicalistas são contra a miséria tecnicolor, contra o cartão postal e o lugar comum. Subdesenvolvimento não é curiosidade turística. Somos contra o rótulo oficial de comprometimento, em favor de um novo comportamento crítico, verdadeiro compromisso. Somos favoráveis a qualquer atitude inovadora. Somos contra tudo o que seja bom comportamento. Se as tradições estão podres, o que vamos defender? O caos? Somos contra a cultura oficial, contra o passadismo. Tudo pela radicalidade de vanguarda, contra a passividade da retaguarda. Não há nenhuma proposição estética. O que existe é uma atitude ética. Uma política cultural. Somos conscientes de nossa transitoriedade. Pois o momento é o hoje, o agora é o amanhã bem cedo”.

Naquela noite, o compositor Marcos Vinicius assim se pronunciou diante da plateia que comparecia ao evento: “O movimento tropicalista, ao contrário do que se pensa, se propõe a grandes tarefas. Somos, em tudo e por tudo, donos de uma nova mentalidade crítica sobre a realidade brasileira e nordestina. Queremos transformar a nossa brasilidade em produto geral. Quando falamos em universalismo, não passamos por cima do nosso nacionalismo: pelo contrário, procuramos nuclearizar o que existe de universal em nossas fontes e raízes. A nossa consciência procura desmascarar atitudes passivas frente ao nosso subdesenvolvimento. Somos contra o colorido do cartão postal e em favor de uma integração latino-americana”.

O discurso de Marcos Vinicius pode ser considerado de forte teor político, porquanto pregava transformações de comportamento, mentalidades e posturas, na direção de uma luta de combate ao subdesenvolvimento brasileiro e de fortalecimento de uma identidade cultural nacionalista, pautada na realidade dos nossos problemas, sem desvincular-se de uma visão crítica construída num saber universal.

Os vanguardistas do tropicalismo suscitaram, em 1968, um polêmico debate envolvendo intelectuais e a militância política estudantil. O movimento produziu diversas manifestações, favoráveis e contrárias, num conflito em que, de um lado, postava-se a esquerda intelectualizada e do outro, artistas que se propunham promover uma revolução na nossa identidade cultural.

Rui Leitão

*Publicado também no Jornal A União.


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