Artes

O Sonho dos Artistas


21/04/2021

De uns dias pra cá eu venho sorrindo bastante, conversando com amigos, relembrando as histórias vividas nos bastidores e nas estradas com artistas, produtores, empresários. Resolvemos abrir o baú, e dentro dele existem riqueza e fatos pitorescos.

Desde o artigo anterior, para esse blog, contamos histórias com Roberto Carlos e fomos de certa forma, reativando a memória…

Era o ano de 1980 e eu tinha apenas 21 anos. Uma certa tarde entro na rádio Arapuan, que ficava na Rua Dom Pedro I, próximo do supermercado Bompreço, da Lagoa, e o diretor de programação, Ivan de Oliveira, me chama na sala dele com missão especial: fazer uma entrevista com Elis Regina, que se encontrava no hotel Tropicana, e a noite faria o show Essa Mulher, no cine Municipal. Confesso que tremi na base. Nunca antes havia entrevistado algum artista famoso e essa seria a minha primeira experiência. Pois bem, ele me entregou um gravador portátil CCE, com oito pilhas grandes, e lá fui eu. Lembro que foi uma excelente tarde à bordo da piscina do hotel. Eu, Elis, e por perto, a família, Cesar Camargo Mariano, o marido músico e arranjador, e os filhos pequenos Maria Rita (3), Pedro Mariano (5), e João Marcelo Bôscoli (10). Daí, falamos bastante sobre o show Essa Mulher, a carreira artística e o Brasil da época que, diga-se de passagem, era ainda o país regido pela ditadura militar. E isso rendeu também uma página no jornal semanário O Momento, de Jório Machado, editado por Maria José Limeira. Dizem algumas pessoas que, seja eu – talvez – o único jornalista paraibano que entrevistou a estrela Elis Regina. Mas isso eu não tenho certeza. Outra coisa, na época escrevia muito mal (hoje menos), mas foi a oportunidade…

Depois de Elis, vieram às experiências de estrada vividas com muita felicidade como viajar com o Rei Luiz Gonzaga, e seu filho Gonzaguinha, de quem me tornaria amigo, na produção do show A Vida do Viajante. E que depois me renderia uma carta de 1983, que Gonzaguinha diria ser uma surpresa, e que se tornaria letra de música com o sucesso `Guerreiro Menino (um homem também chora)´.

Trabalhei muitos anos em Recife, tanto em divulgação e promoção de discos nas emissoras de rádio, televisão, jornais, como também algumas produções de shows. Aliás, shows eu iniciei aqui em João Pessoa, com Dida Fialho, Bráulio Tavares, Cida Lobo, a Coletiva Sexta Feira 13 (com Chico César, Jarbas Mariz, Fuba, Dida, Tadeu Mathias, Cachimbinho e Geraldo Mousinho, Paulo Ró, V Itaquatiara, e muito outros).

Nas produções, assisti muita cena engraçada, muita luta, muita batalha por sucesso e dinheiro e fama, e muita concorrência. E fomos trilhando o caminho, aprendendo um pouco aqui e ali, e depois colaborando, investindo para melhorar a imagem dos artistas, principalmente regionais. Conheci o produtor Múcio Araújo, na EMI Odeon, e depois trabalhamos na CBS e na Polydisc. Foi ele que montou o selo Jangada, inspirado no Ceará, e que reativou a carreira de Reginaldo Rossi, e lançou vários nomes do forró e do brega como Caju e Castanha, Tarcys Andrade, Evaldo Freire, Roberto Muller, Jorge de Altinho, Assisão, Keijo com Mel, Feijão com Arroz, Banda Carícias, Ovelha Negra, e outros. Aprendi ainda um pouco mais…

Nos bastidores das televisões, aprendi participando de programas ao vivo nas tardes de sábados e domingos na TV Jornal do Commercio, quando levávamos artistas para se apresentarem e divulgar discos. Clara Nunes, Lulu Santos, Fernando Mendes, Fevers, José Augusto e tanto outros.  E produzimos  alguns vídeo clipes de Novinho da Paraíba, Carícias, um especial da banda Alcano para a TV Jornal (SBT), e outros eventos.

Passaria dias contando histórias dessa época boa, em que o trabalho corpo a corpo tinha muito valor. Ainda não existia o celular, a internet nem pensar… Os processos digitais, virtuais estariam por vir. Frequentávamos os mais diversos lugares desde clubes de luxo, a palcos montados e improvisados em quadras de escolas de samba e comunidades de morros, gafieiras, bregas, bordéis, pequenas cidades de interior e muito mais…  

“Pude compreender de perto, na pele, o sonho e a luta de todo artista pela consagração, pela recompensa maior que é o reconhecimento do público.”

Dos fatos engraçados recordo muito da tarde em que estava no camarim de um desses programas de auditório quando o produtor me chama e avisa, dizendo para eu preparar o artista que ele entraria no bloco a seguir. Só que o artista que eu levara, usava um braço plástico, e costumava deixar em cima da bancada. E isso foi motivo para o braço sumir justamente na hora dele entrar em cena… Foi um corre corre. Resolvemos colocar outro artista no lugar enquanto procurávamos o braço do meu artista…

Noutra situação, num programa de auditório gravado para a TV Pernambuco, no salão do clube Náutico Capibaribe, e apresentado por Reginaldo Rossi, eu estava no pé da coxia junto com um artista pernambucano, um dos compositores do sucesso Moranguinho do Nordeste. E a banda tocando, e Reginaldo Rossi insistindo e chamando ele ao palco, e nada. Enfim, na hora de entrar em cena ele sumiu. A produção parou a gravação e, claro, tomei a maior bronca. Mas, cadê o artista? Após uns dez minutos ele reaparece e eu perguntei o que acontecera. Depois de muito insistir, ele revelou que havia caído a prótese e ele foi comprar cola numa farmácia próxima para colar a dentadura e poder cantar. Tive, sem dúvida, uma crise de riso.

Lembro também do dia que levei José Augusto, (aquele dos sucessos Fantasias, Sábado, Me Esqueci de Viver, Aguenta Coração, Sonho por Sonho, De que vale ter tudo na vida…, Só Você, Hey, e outros), pra cantar num show de circo e na hora que ele começou, um leão acordou numa jaula ao lado do picadeiro e começou a rugir deixando o cantor trêmulo e bastante assustado… Foi outro corre corre. Também num desses shows de circos, um artista do elenco brega chegou atrasado, de carona, e em cima de um caminhão de cana-de-açúcar, e ao descer, escorregou e caiu dentro de um buraco que ficava por trás da lona, e lá ficou gritando por socorro, “me tirem daqui, me tirem daqui”.

Nessas idas e vindas, vi muita coisa engraçada, muita coisa bacana, estruturante, aprendemos muito, curtimos muito, vivemos muito. Conheci e fiquei amigo de Wilson Souto, fundador do teatro de vanguarda Lira Paulistana e diretor da Atração Fonográfica em São Paulo. Outra experiência riquíssima, pois, ele detém a assinatura de grandes nomes da música brasileira como Chiclete com Banana, Daniel, Roberta Miranda, o case mundial da lambada com Beto Barbosa, Muzenza, Olodum, e passou a despertar em mim o sentimento de mais amor pelo Nordeste. A vontade de investir mais em nossos talentos, brigar para posicionar nossos artistas. Viajamos bastante, trocamos excelentes ideias. Pude compreender de perto, na pele, o sonho e a luta de todo artista pela consagração, pela recompensa maior que é o reconhecimento do público.

 

Hoje cedo, como em outros dias recebi as notícias de Moraes Moreira, Aldir Blanc, Agnaldo Timóteo e outros, li sobre a morte do amigo e cantor pernambucano Augusto César, que conheci no começo da carreira, com o seu primeiro grande sucesso, Escalada, do compositor Jorge Silva. Augusto César, nascido em Paulista, grande Recife, era detentor de uma excelente voz. Pra mim, um tipo, Roberto Carlos do nordeste. Tinha esse potencial. Era um camarada bacana, simples, humilde, simpático, boa gente demais. Aonde chegava, agradava, reconhecia os amigos, era sempre bem vindo e aplaudido. Confesso que senti demais a sua morte. Com um sentimento bom em relação a ele, e ao mesmo tempo impotente, lamentando a sua carreira não ter evoluído para o plano nacional, e assim compreendendo bem os limites e as razões mercadológicas para que isso pudesse ter acontecido. Augusto Cesar tocou muito no rádio pernambucano, com registro de alguns sucessos como Escalada, já falamos aqui, e mais, Foi Assim, Como posso te Esquecer, Ela acabou comigo (Amigo), e outros. Fazia muitos shows de brega e ultimamente cantava nas praças e ruas do centro de Recife, vendendo CDs acompanhado pelos filhos, tirando fotos com seus fãs, fazendo o que gostava e sabia fazer bem, que era cantar e estar próximo ao povo. Augusto César é mais um nome louvável que a Covid leva. Um nobre cantor que parte sonhando o sonho dos artistas…


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