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O rei da vela
09/07/2023
Um teatrólogo famoso, de direita, disse certa vez que toda unanimidade é burra. Sou fã de carteirinha dele – até mesmo porque ele levou para os palcos a figura do cafajeste – meu alter ego -, além de ter escrito obras primas do nosso teatro, mas não é bem assim.
A comoção que tomou conta dos iluminados e da classe artística em geral, na semana que passou, com a morte de José Celso Martinez Corrêa mostrou que a unanimidade pode sim existir e até mesmo ser inclusiva em gênero, número e grau.
E mostrou também que existe vida inteligente no planeta Brasil, capaz de reconhecer a grande contribuição que o diretor do grupo Oficina prestou ao seu país com O Rei da Vela, que na época de sua montagem incendiou a nação e tantas outras pérolas de nossa dramaturgia.
A peça em questão , uma visão da sociedade brasileira dos anos trinta, é da autoria de um escritor que foi um dos mais importantes de sua geração, e um dos papas do modernismo, mas que nunca recebeu o reconhecimento que lhe é devido.
O nome dele é Oswald de Andrade, e fui apresentado ao seu trabalho no primeiro ano do científico, quando estudava no Liceu e fazia parte de seu grêmio estudantil.
O contato com a obra dele e a do próprio Nelson Rodrigues foi o que me incentivou a investir no teatro, uma arte que sempre foi relevante por aqui.
Vínhamos de muita inquietação cultural nos anos de chumbo, e tínhamos grandes talentos como Paulo e Ipojuca Pontes, Marcus Vinícius, Pedro Santos, Marcos Tavares e muita gente de peso no palco como Ednaldo do Egito e Nautília Mendonça.
E também tinha o cinema. Fogo – o Salário da Morte e Menino de Engenho, de Walter Lima Júnior. E as semanas de teatro que formavam filas no Santa Roza.
Mas, acima de tudo, o teatro inspirado em José Celso e Gianfrancesco Guarnieri, com seu grito parado no ar, juntamente com a música popular brasileira – tendo o tropicalismo à frente -, foram fundamentais para que assistíssemos de camarote a volta da democracia.
Foi o tempo de roda viva e da roda gigante de domingo no parque.
Do grupo opinião e do teatro oficina.
De Mário e de Oswald de Andrade. E de Macunaíma – o herói sem nenhum caráter, cuja montagem de Antunes Filho tive o privilégio de assistir no teatro Santa Isabel.
Mais que memórias, elas representaram para mim, cada uma a seu modo, a certeza de que viver não tem sido em vão.
E quanto a acender a vela, que já foi profissão, hoje é só uma chama que um dia também se apaga.
Seja por causa de samba ou de desilusão.
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