Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

O Que Vou Ser Quando Crescer


11/10/2011

Foto: autor desconhecido.

O Que Vou Ser Quando Crescer

Para Hanna, minha linda e querida sobrinha, aniversariante da semana, que no momento está vivendo seu momento Garotinha de Ipanema….”

Nunca tive na cabeça de ser professora. Aliás, nunca tive claro o que queria ser quando crescesse. Acho lindo alguém que tem isso nítido desde pequena: Quero ser médico! Aliás, só os médicos sabem disso desde sempre.Minhas ambições passeavam por caminhos mais líquidos, mas pantanosos, e mais indecifráveis. Sonhava em ser aeromoça, claro, queria ganhar os céus, sem prestar atenção no meu pânico de avião e no servir todo o tempo. Ou secretária , para ter aquela aura de executiva..Também não lembrei de que não sei usar salto alto nem terninho cafona todo o tempo. Seria uma executiva hippie chic, e como impor excelência vestida de rasteirinha?
Ai, viajei. Morei fora. Estudei inglês. E essa língua me deu uma profissão construída aos acasos. Uma professora ali. Um mestrado acolá. Um conto. Um poema. Um espanto. E quando pari meu filho mais novo, por entre fraldas e horas de mamadeiras, estudava lingüística, Reading, Compound words, para o concurso de professor. Antes já havia feito concurso para língua e literatura inglesa, em Campina Grande , onde o meu ponto sorteado foi Hamlet e o Substantivo. Foi duro conciliar esse abismo, mas através dos puns famosos de Shakespeare eu cheguei ao meu To Be or Not Tupi! Também já havia falado do tempo futuro, exceções: Going to, Will, etc. Hoje , quando olho para trás, já se foram alguns anos, tirando da cartola, do computador, da memória, do aprendizado, do inesperado, da preparação das aulas eternas, das gramáticas, dos jornais (ah meus jornais, tenho pilhas para a felicidade das traças!), recortes, pedaços, e principalmente a minha capacitação na pós-graduação, que fui construindo meu texto cotidiano na sala de aula.

Sempre fui uma professora intuitiva. Não digo com isso que inventava na hora. O preparo muito me exige até hoje, mas sempre trabalho com o momento da epifania, ou do que deixo acontecer, pois (in)felizmente não consigo seguir um esquema pré-estabelecido em nada. E daí também o meu sofrimento, pois se não consigo deixar tudo pronto na véspera, tenho sempre que contar com o elemento surpresa, o mais precisamente o que acontece ou não na sala de aula, espaço mágico esse de grandes e pequenos sustos. Um exemplo: vejo que tem pessoas que deixam a roupa que vai vestir estendidinha na cadeira, para no dia seguinte, para já começar o dia com seu guarda-roupa pronto. Eu não consigo. Tenho que dar um pulo da cama, e sobressaltada, escolher a roupa na hora, com vertigem e tudo. Depois, sentia e sinto até hoje, frio na barriga aos domingos. Sempre aos domingos, eu e Melina Mercury, sem Moussaka ou Zorba, mas com o frio da véspera da segunda. Acontece que a vida na sala de aula é sempre uma estréia. Lidamos com holofotes, com a natureza humana, com o aluno aplicado, com o engraçadinho, com o pilantra, com a vítima, a inocência, o cansaço, a diversidade ao extremo, e nós estamos lá, no palco, a conduzir. Confesso que prefiro ser aluna. Aliás, minha profissão preferida – Estudar. Nasci para filósofa! E a objetividade da vida vai ficando para debaixo do tapete. V. Woolf falara da literatura e da vida como uma teia só. Eu falo que sentir, viver, trabalhar, dar aula, tudo misturado. Preparo aula, com a TV ligada no Gnt, vendo cultura, absorvendo música, tomando café, passando e-mail, checando facebook, divagando, dormindo, e dando conta da casa. Como Adélia Prado tão bem descreveu no seu fazer poema e tomar conta de casa, tudo misturado, no livro A Casa do Escritor.

Steve Jobs, no seu discurso em Stanford, tão veiculado na mídia durante a semana da sua morte, falou: “Façam o que gostam, e pensem sempre que estão vivendo o último dia de suas vidas”. Acho que não conseguiria viver nesse abismo.

Há umas duas semanas, o Café Filosófico na TV Cultura. Marilena Chauí falando de tempo, espaço e mundo digital. Falou de como a trabalho do professor não é mais o mesmo, pois trabalhar com o pensamento dá trabalho, exige paciência, tempo e habilidade em lidar com a frustração, coisa que a era digital não permite. E que de agora prá diante, teremos que nos re-inventar a profissão. Eu? Já há muito tempo que ando penando nesse reinventar-se, sem saber muito bem como, nem para onde. Um desafio e tanto! Chauí falou também que, esse Novo Tempo virtual em que vivemos, talvez seja mais importante do que quando o mesmo deixou de ser Medieval para mergulhar na Modernidade. Senti-me muito importante em fazer parte de tantas transformações. Mas essa importância vem também acompanhada de perplexidade; de constatar a História acontecer em tempo real bem em frente do meu nariz. Pode por vezes ser assustador, de como levar tudo isso que vivemos sem entender muito bem, para o trabalho contínuo da sala de aula, fazendo com que os alunos se interessem pelo que temos a dizer, se é que temos; e ainda conseguir provocar-lhes ao menos uma certa inquietação frente ao curso, ao programa e às aulas. Todos os dias me sinto exausta de tanta estréia, de tanto gogó, e de tanto alvoroço de multiplicidade de assuntos , tempos, e interesses.

Mas voltando ao tempo das decisões, sempre achei também que, não precisamos de tanta pressa. E que, é preciso perambular pelo mundo, conhecer, ter experiências com a vida, sem necessariamente ter decidido o que se quer na vida. E parece que esse pensamento anda por trilhas interessantes, pois toda vez que leio algo sobre a vida de alguém de destaque na sua área, o sucesso e o reconhecimento vem sempre saltitando sem muita ordem e previsão. O próprio Jobs, antes de se tornar a terceira maça que transformou o mundo (depois do paraíso e de Newton), destilava curiosidade por onde passava.

E a partir da morte do homem dos I-Phones, fiquei a pensar no meu tão modesto passeio profissional, e na minha busca incessante de uma vida com gosto de artista…., quando estudava piano, ballet, violão, francês e inglês. Mas foi realmente uma viagem longa para as terras do Tio Sam, em plenos anos 70, de Hair e Let the Sun Shine que, talvez tenha tido o estopim da grande flecha da vida que me atirou ao acaso, ou não, de ter me tornado quem sou. E ao invés de artista, pois minhas pernas não deram conta do ser bailarina, me contentei com o olhar poético diante da vida, causando alvoroço diante do cotidiano, da poesia, das pessoas e das artes. Nem sempre nessa mesma ordem.

Em algum lugar da vida de criança ou adolescente, entramos em contato com as coisas que gostamos. O desafio está em reconhecê-las na hora das decisões e não apressar o rio, que ele corre sozinho. O escritor Roberto Cotroneo, no seu livro Se uma Criança, Numa Manhã de Verão…Carta para meu filho sobre o amor pelos livros, tenta dar isso de presente ao seu filho: “Haverá alguma criança que, numa noite de verão, na qual o sono custa a chegar, não tenha imaginado ver no céu o veleiro de Peter Pan?” Os meus pais talvez não tiveram a sabedoria de me falar de “veleiros disfarçados”, mas dentro das possibilidades da vida, tive as minhas permissões, que aqui e acolá me deram vôos rasantes e ou abissais. Já para os meus próprios filhos, nem sei ainda ao certo que veleiros posso estar a falar…mas tomara que também esteja a dividir com eles, esse “encantamento do barco movido a pó dourado”.

Feliz dia das Crianças. Que um dia todos fomos.
Beijos especiais para meus “Pequenos” Lucas e Daniel.
Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 10 de outubro , 2011


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