Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

O Que Querem as Mulheres?


16/11/2010

Foto: autor desconhecido.

 Freud formulou a pergunta antológica e Luiz Fernando Carvalho tenta responder na mini-série Afinal o que querem as mulheres?, que estreou quinta passada na TV Globo. Infelizmente não vi, mas, como todas as mulheres, sempre estive a matutar esta pergunta.

Criada e dirigida por Luiz Fernando Carvalho, a estória tem como protagonista o ator Michel Melamed, repetindo a parceria que ator e diretor fizeram em Capitu (2008), série que virou referência da moderna dramaturgia brasileira. Além de protagonista, Melamed também assina o roteiro com João Paulo Cuenca e Cecília Giannetti.
Em Afinal, o que querem as mulheres? Melamed dá vida ao jovem escritor e psicólogo André Newmann, que tenta, com certa obsessão, responder à questão que tanto aflige os homens (e por que não as mulheres também?). Casado com a artista plástica Lívia (Paola Oliveira), André percebe que, apesar de sua dedicação ao tema, não consegue lidar com a própria mulher. O casamento acaba e André passa a conhecer na prática os segredos e os desejos das mulheres.O personagem também terá um duplo, ninguém menos que Rodrigo Santoro, vivido pelo próprio Santoro. O galã vai estrelar uma série de TV inspirada na tese de André causando uma confusão ainda maior na cabeça do psicólogo.
Mas, afinal, a minissérie vai responder à pergunta? Acredito que não. Mas, justifica a tentativa em trabalhar com humor e beleza, muitas dessas questões. Em se tratando de Luis Fernando, e toda a beleza que imprimiu em Lavoura Arcaica, Hoje é dia de Maria e Capitu, só para citar alguns dos seus trabalhos, e com toda a sua sensibilidade e autoridade em televisão, acredito que tocará profundamente nos desejos das mulheres.
O próprio Melamed confessa que, é muito difícil saber o que as mulheres desejam. “Às vezes eu sei, depois acho que não sei mais. Na verdade, elas querem ser amadas. O resto é consequência”, diz. Na verdade, saber o que se quer, seja homem ou mulher, é conflito para toda uma vida. Agora, como nós mulheres sempre estivemos em um lugar ora de opressão, ora de libertação, sem falar em todas as nuances hormonais, cíclicas, etc., foi sempre cômodo para a sociedade criar estereótipos em categorias como: loucura, histeria, depressão, sensibilidade extremada, TPM, etc. Sem falar que, para os homens, sempre foi mais fácil ir em busca do seu desejo, por mais absurdo que parecesse, enquanto nós, durante séculos, estivemos sempre a reboque do os outros queriam.
Mirian Goldenberg, antropóloga e escritora, como já falei semanas atrás, fez pesquisa e descobriu que os homens querem compreensão…., já as mulheres querem intimidade. Querem escuta, alguém que tenha ouvidos para suas questões. Difícil nos dias de hoje, mais difícil ainda antigamente.
Maria Rita Kehl, ainda no Estadão(20/03/2010), no seu texto “O que os homens querem da mulher?” faz trocadilho com a pergunta e, fala que, se a descoberta de Freud ainda valer e o inconsciente continuar recalcado, o desejo, é enigmático para homens e mulheres, e que no plano das vontades do destino que damos a essa insatisfação permanente a que se chama vida – talvez aí se possa especular se os homens seriam menos enigmáticos que as mulheres. E fala também que além de sexo, dedicação e carinho (sem exageros) das amadas, querem respeito profissional e claro ganhar bem. E sim, ler o jornal inteiro no domingo, jogar conversa fora com amigos de bar e ver futebol na TV sem ser interrompidos. Essa última pode ser trocado por soneca no sofá…. E que as mulheres devem estar a postos quando eles assim solicitarem. Ela cita Mario Prata, definindo o casamento: “Significa botar uma mulher dentro de casa, e depois sair para rua.

Kehl ainda diz: Muitas coisas os homens podem nos dar. Amor, prazer, carinho, apoio. Aquele olhar de desejo que embeleza a mulher. E filhos, quase todas queremos os filhos. O que mais? Profissão e independência econômica ficam fora do pacote do amor. Poder, também: mas o verbo é mais instigante que o substantivo. As mulheres querem poder muitas coisas. Depois que os filhos crescem e antes que lhes tragam netos pra cuidar, o que querem as mulheres? É simples: tudo o que não puderam viver até então. Está certo: tudo, tudo não pode ser. Vá lá, quase tudo.

Maitena, cartunista argentina, também falou disso com seu humor desconcertante (Revista Cláudia, Abril, 2005): “As mulheres querem tudo! Realizar-se fazendo coisas criativas; encontrar um homem que as ame, admire e sustente(sic), mas sem sufocar e dominar; ter uma relação estável e duradoura, mas sem perder o tesão; ter filhos encantadores, mas por enquanto não se tem tempo para pensar nisso…; ser reconhecidas pelo intelectual, mas também ser linda, magra e sem celulite e ser realistas, intransigentes, analíticas e lúcidas. Mas felizes”.

Antonia Pellegrino no artigo “Síndrome de Madona” (Revista Vogue, Agosto/2006) acrescenta que as mulheres querem ser como a cantora de Rock, que na época do artigo ainda era casada com o Cineasta inglês Guy Richie, e ainda não tinha visto Jesus….: “… uma mulher linda, fashion, boa mãe, profissional bem sucedida, ter um marido cineasta, escrever livros infantis para os filhos, ditar o hype, subverter às regras, transgredir tabus, só comer orgânicos, ser verbete, estar no Guiness, e ainda ler para os filhos na cama, conversar com o marido tomando uma taça de bom vinho e engatar um sexo gostoso que termine numa reconfortante noite de sono, para acordar cedo no dia seguinte, levar os filhos ao colégio e começar tudo outra vez. Sempre com um sorriso no rosto. Ufa! Tudo isso faz com que ela se torne um paradigma impossível de ser seguido…, mas pelo menos com um marido cineasta….e uma taça de bom vinho e sexo gostoso…todas nós sonhamos.

Arnaldo Jabor em “Quem é a mulher?” (Estadão, 9/03/,2010), reforça tantos desses estereótipos; questiona que é um preconceito dizermos que elas são incompreensíveis, mas que nessas dinâmicas almas, há uma verdade indeterminada mais profunda do que as ilusões das certezas masculinas. Fala que, “as mulheres não caminham em busca de um sentido único, de uma vitória putra, de um poder brutal …” e que o homem “se crê acima da fisis, mas as mulheres estão dentro. Elas ventam, chovem sangram, elas têm inverno, verão, tpms, raiam com a luz da manhã ou brilham à noite, elas derrubam homens com terremotos, elas nos fazem apaixonados …na verdade elas querem ser decifradas por nós, mas nunca acertamos no alvo, pois não há alvo, nem mosca….As mulheres são sempre várias. E nós nos achamos unos…Esta é uma das razões do sucesso das putas. Os homens pagam para que elas sejam úteis… A prostituta finge ser linear e definida. Pagamos a prostituta para que nos dê uma trégua, para que não nos confunda”. E por fim conclui se enredando nesse mesmo lugar dos mistérios das loucas e histéricas, da mulher como um quebra cabeça, como um labirinto – sóbrias, boas e más – sempre inacessíveis e portanto sempre sedutoras, prontas para levarem os homens ao abismo. O abismo do amor.

Na verdade, esses abismos que se fazem enigmas entre homens e mulheres, cada vez mais acho-os intransponíveis. Folheando o mais recente livro, A Vitória de Orwell, Christopher Hitchens, mais especificamente o capítulo, “Orwell e as feministas: Dificuldade com as mulheres”, fiquei a pensar sobre esse lugar pantanoso que é o nosso desejo e o dos homens, e que, há tantos séculos, seduzem a nós todos. A fala de Orwell é avassaladora. Crua. Implacável. Triste. Fiquei estática, por ler algo tão objetivo e violento, que parece atroz, mas tem lá sua verossimilhança, até mesmo nos dias de hoje.

Segue os fragmentos de Orwell (Revolução dos Bichos, e 1984), para que possamos ver a mini-série da Globo, e fazer-re-fazer a pergunta de Freud, cantarolando como um mantra, um rosário sem fim, mas sem perder o bom humor jamais.

"…ele formou uma firme impressão de que as mulheres Não gostavam de homens, que os desprezavam como um tipo de animal grande, feio, fedorento e ridículo que maltratava as mulheres de todas as maneiras, sobretudo forçando-lhes suas atenções. Ficou profundamente impresso em sua consciência, ali permanecendo até que ele tinha uns vinte anos, que a relação sexual dá prazer unicamente ao homem…"
(fragmento autobiográfico)

Já no início do capítulo 6, de A flor da Inglaterra, temos essa pérola:

"Essa história de mulher! Quanto aborrecimento! Pena não conseguirmos cortar por completo, ou pelo menos nos comportar como os animais – minutos de luxúria feroz e depois meses de gélida castidade. O faisão macho, por exemplo. Pula no lombo da fêmea sem dó e sem pedir licença. E, assim que acaba, a coisa sai completamente da sua cabeça. Mal repara nas fêmeas; ele as ignora, ou se limita a cobri-las de bicadas quando se aproximam demais da sua comida. E nem é chamado a contribuir para a alimentação dos rebentos. Quanta sorte, a do faisão! Como o seu destino era diferente do senhor da criação, sempre às voltas com a memória e a consciência!" (p. 140).

E de aborrecimentos, bicadas, luxúrias ferozes e gélidas castidades, memórias e consciências – a luta continua!! E ainda bem que 1984 já se vai longe no tempo e na história de homens e de mulheres, e que, os faisões não andam com tanto poder assim…

Ana Adelaide Peixoto Tavares – João Pessoa 15 de novembro, 2010


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