Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Política

O primeiro golpe sofrido por Jango


06/07/2025

Getúlio Vargas atravessou o país de trem rumo ao poder, sem enfrentar resistência armada durante a Revolução de 30.

O embate entre o Brasil oficial e o Brasil real começou muito antes de 1964. Em 1954, ao propor a duplicação do salário mínimo, João Goulart enfrentou a fúria das elites e o cerco dos militares. Foi ali que sofreu o primeiro golpe. Ainda não era presidente quando enfrentou sua primeira grande ofensiva das forças conservadoras. À frente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio no segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), Jango implementava uma política trabalhista ousada, voltada para a valorização do trabalhador. Como era de se esperar, despertou reações virulentas das classes dominantes, acostumadas a ver o Estado como seu instrumento exclusivo de poder.

O ápice dessa insatisfação se deu quando o presidente Getúlio Vargas, nas comemorações do dia 1º. de Maio, em fevereiro de 1954, anunciou a duplicação do salário mínimo, conforme indicação de Jango. A decisão provocou uma forte reação da oposição, inclusive dos militares. O então ministro procurou explicar que os novos níveis do salário mínimo haviam sido fixados por comissões instituídas nos estados, seguindo preceitos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No primeiro momento recebeu o apoio do presidente.

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Porém, não conseguiu resistir a um documento com forte viés golpista, redigido por Golbery do Couto e Silva, assinado por 42 coronéis e 39 tenentes-coronéis, oficiais ligados à Cruzada Democrática, agrupamento da ala militar conservadora que dirigia o Clube Militar desde as eleições de 1952, encaminhado ao ministro da Guerra, general Espírito Santo Cardoso, e ao Alto Comando das Forças Armadas. Conhecido como o “Manifesto dos Coronéis”, o documento exigia diferenciação entre os salários de militares e civis, sob a alegação de que estavam submetidos a péssimas condições de trabalho na caserna, denunciando que estava em risco a coesão da classe militar e acusando o governo de se manter indiferente às necessidades de reajuste de salários, comprometendo a imagem do Exército.

Na prática, o manifesto foi uma clara demonstração de insubordinação militar, com nítido conteúdo político. Estava dado o primeiro passo para minar João Goulart — um líder que ousava dialogar com trabalhadores, buscando a harmonia entre capital e trabalho. A grande imprensa, em sua maioria, associou o ministro a ameaças à democracia e ao perigo de uma “república sindicalista”, amplificando o cerco que já vinha sendo articulado nos bastidores do poder. Ao perceber que a onda golpista se intensificava, Goulart atribuiu a campanha contra ele, motivada pela harmonia social que teria conseguido estabelecer entre trabalhadores e patrões, representando um grande esforço no sentido de conciliação entre as classes sociais

Na tentativa de conter a crise, Getúlio decidiu pelo afastamento do ministro João Goulart, numa concessão aos militares descontentes, e a demissão do ministro da Guerra, por ter permitido aquele ato de insubordinação dentro das Forças Armadas. Ao entregar sua carta com pedido de exoneração, declarou: “Prefiro deixar o ministério a deixar de dar o salário mínimo”. Dez anos depois, já como presidente da República, Goulart sofreria novo golpe, agora definitivo. E novamente, lá estava Golbery do Couto e Silva entre os articuladores da queda.

A história, como se vê, é feita de repetições — e de sinais que, muitas vezes, ignoramos.


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