Ramalho Leite

Jornalista, escritor e historiador.

Cultura

O meu São João era mais gostoso


08/05/2025

Nunca ouvi falar que alguém, por mais carola que seja, tenha saído de casa no dia de São João para assistir a uma missa. A festa desse Santo é outra. A data de 24 de junho, reconhecida como do nascimento de João Batista começava a ser comemorado na véspera, quando era acesa na frente de casa uma fogueira. A tertúlia era puramente familiar, desde as comidas típicas da época à reunião dos parentes ausentes que, aproveitavam os festejos juninos para o reencontro. De Santo Antônio a São Pedro, o gosto das comidas de milho e a fumaça das fogueiras davam o tom da alegria, fugindo do busca-pé e da ação saltitante de pequenas bombas. Alguns acrescentavam ao pé da fogueira um mastro com a imagem de São João na ponta.

E como a festa começava em casa e no máximo alcançava a calçada, era na mesa que residia a principal atração. Na minha casa, como filho mais velho, para mim era reservado o privilegio de raspar o tacho da canjica. Não sendo egoísta, costumava dividir com meus irmãos, cada qual com uma colher na mão, recolhendo na parede do tacho de cobre, o resto da iguaria que ficava ali grudada. À noite, na mesa, eram exibidos os pratos de canjica com desenhos feitos de canela em pó. “Viva São João” era a frase mais comum que minha mãe desenhava.

A festança, com os anos, foi transformada em folguedo de rua, que se enchia de fogueiras, fumaça e rojões. Às vezes subiam balões, sob aplausos. Apareceram os primeiros bailes e as quadrilhas estilizadas foram sendo organizadas, com direito a casamento matuto, com padre e tudo. A festa de São João virou palco de uma música que traduz a alma nordestina e, Luiz Gonzaga, virou sinônimo do evento. Data de 1950 a primeira gravação do Rei do Baião que batizou o que ainda hoje é denominado de forró: O Forró de Mané Zito já soma mais de setenta anos.

O chamado forró tem esse nome atribuído aos americanos estacionados em Natal durante a segunda guerra, quando eram chamados a participar de bailes populares destinados a todos: for all (para todos). Outros preferem buscar sua origem em forrobodó, constante de nossos dicionários desde 1899 e que serviu também para batizar uma opereta de Chiquinha Gonzaga. O certo é que esse é o estilo musical preferido das festas juninas que, aos poucos, vem sendo deturpado por organizadores de eventos grandiosos que colocam o lucro acima das nossas tradições culturais.

Quem promove o São João raiz prefere o Xote das Meninas, de Gonzagão e Zé Dantas: Mandacaru quando fulora na seca/é sinal que a chuva chega no sertão/ toda menina que enjoa da boneca/ é sinal que o amor já chegou no coração. Consultando a net, verifico que cinco milhões e quatrocentos mil internautas visualizaram essa linda composição. Enquanto isso, Natan e Nivaldo Marques, obtiveram 836 mil visualizações por cantarem: Ah Você não deu valor, nunca se importa/ a partir de hoje nosso amor acabou/Já foi, deu pra mim, eu vou meter, eu vou meter o louco/ Tem cabaré essa noite/Tem cabaré essa noite.

Siga o canal do WSCOM no Whatsapp.

Por estar caracterizada a preferência pela musica autêntica do nordeste, estranho que, certa feita, o público de Campina Grande não tenha reagido quando restringiram o tempo de Flavio José no palco para ampliar o show de um cantor de musica sertaneja, inteiramente deslocado naquele tipo de evento. O próprio Flavio José não deveria ter aceitado a indevida reprimenda, vez que tinha contrato assinado para tempo maior no palco. Bastaria que, no seu desabafo, informasse que não atenderia à recomendação. O público o apoiaria. Tem razão Elba Ramalho quando lembra que, nunca, em tempo algum, foi convidada para cantar na Festa do Peão de Boiadeiro em Barretos–SP. Nem ela nem qualquer intérprete da música que enche os corações e os ouvidos do povo nordestino.

Desvirtuaram por completo as nossas festas juninas. Nas antigas, a festança no máximo chegava às nossas calçadas. Depois que ganhou a rua, surgiram empresas que comercializam a festa e levam o dinheiro do povo. O povo? Sim, o povo tem direito a comparecer, para ouvir, de graça e de longe, a apresentação de artistas que costumam ver na televisão. Se quiser se aproximar, tem que pagar. O pé- do- palco agora se chama front stage, tem custo alto, mas em compensação, o pagante vê o seu ídolo de perto…

Gostaria de acrescentar os cachês que são pagos aos astros contratados, mas isso é um segredo que só o imposto de renda pode desvendar. Sou saudosista? Talvez. Mas que era muito mais gostoso o meu São João, não tenho a menor dúvida.


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.