Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Sociedade

O meu pai


12/08/2023

 

 

Apesar de ter seguido os passos do meu pai na radiofonia e na promoção e produção de eventos, o trauma da sua morte prematura me fez apagar da memória as mais simples lembranças.

A sua ausência, por outro lado, me privou de uma força estranha capaz de contribuir com uma percepção mais nítida do que estava por vir em um futuro próximo.

Havia o contraponto, é bem verdade, do velho Rocha Barreto, fundador de academias – entre elas a de letras -, que me lembrava Conan Doyle, com seu cachimbo e ar enigmático, mas que morreu poucos anos depois.

Reza a lenda que era um notório conquistador e que sua relação com a mulher, limitava-se a troca de bilhetes onde se discutia as despesas domésticas e outras questões de menor conta.

O patriarcado, portanto, passava longe daquela casa e a figura do pai resumia-se a um retrato na parede, colorizado como era comum na época.

De modo que, demorei a entender essa falta e a superar a contento a ausência desse pai imaginário. muito embora a minha mãe cumprisse a contento o seu duplo papel na representação da vida.

Com o passar do tempo, busquei essa triste figura nos livros, e interagi com ela em diferentes épocas nas mais diversas situações.

Por vezes era herói, em muitos outros enredos era o vilão. Estava nos livros de Borges e nos poemas de Drummond. Nos contos de Fonseca e nos sertões de Euclides.

Era uma figura onipresente e de alguma maneira sempre me protegeu e andou comigo.

Bem mais tarde, já no papel de pai pude entender melhor essa relação e seus efeitos para toda a vida.

Alguns dos meus amigos, por exemplo, foram abandonados pelos pais e outros nunca chegaram sequer a saber o nome deles.

Não havia sequer o retrato na parede.

Com um ou dois deles, depois de muita busca e empenho houve o reencontro e, por assim dizer, o recomeço. Um falso brilhante em meio a um universo de culpas e cobranças. O pecado e o perdão.

O pai que foi sem nunca ter sido e o abraço que nunca se deu.

De certa forma, eu também fui abandonado pelo meu, que se foi.

Mas, de certo modo, isso me ajudou a ser hoje um pai mais tolerante e apaixonado. Pelos filhos e pela vida.

Feliz dia dos pais para todos.


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