Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

O Memorial de Ama-dor


03/05/2016

Foto: autor desconhecido.

Nem sempre o poeta
Ronda o poema
Como uma fera à presa.

Às vezes, fera presa e acuada
Entre as grades do poema-jaula,
Doma-o o chicote das palavras
(Sérgio de Castro Pinto)

Esta semana fui assistir à defesa de um memorial para professor titular, do querido e estimado professor, poeta, crítico, ensaísta , colega e amigo, Amador Ribeiro. Foi a minha primeira vez, e já dizia o sutiã que , o primeiro a gente nunca esquece.

Comecei a ficar emocionada com a frase de entrada: “Eu sou eu e minhas circunstâncias” (Ortega Y Gasset), que para mim foi leme de vida, dita pelo meu pai. E pelo visto, de Amador também.

Amador começou seu passeio com um título instigante e aparentemente despretensioso – Flanando com a memória e seu encanto com a palavra. Os livros que leu os que não leu. A presença da política e da ciência na sua casa. A ficção não! Em tempos sombrios quem há de querer ler balelas de estórias outras? Perguntava talvez o seu avô? Ficção era coisa de burguês – dizia o seu pai? Avô? E eu lembrei imediatamente de um dos lindos filmes das minhas inúmeras listas – Balzac e a Costureirinha Chinesa, filme que relata a vida e a importância de um livro, em um lugarejo da China, nos seus dias contados de tirania, onde comer frango era sim, um ato burguês! Já na burguesia da casa de Amador, a irreverência era o contraponto desse mundo. E a anarquia, o lugar onde se chegar.
Amador falou da infância, dos seus 13 anos queridos, do avô, dos livros, do interior de São Paulo, dos dias negros da ditadura, da anarquia, da herança, de Paulo Freire, Otavio Paz, Roland Barthes, Julian Marias e Antonio Candido , de quem teve o privilégio de ser aluno, e com quem aprendeu coisas da humildade. Falou dos Augustos: Dos Anjos, de Campos e Magalhães! E dos anos 70 e da poesia marginal; do culto da libido, dos protestos, da Barrocidade, e dos seus livros do antes e do durante – Poesia Virtual!

 E a poesia se fez habitar nesse criativo professor, que na sua modéstia, passeou pelas memórias vivenciais, deixando as datas e organogramas para a consulta nos meios disponíveis de regulação a que nós professores somos submetidos. E ainda dizem que professor não trabalha! Mas não faltou uma produção vasta e de qualidade, literária e intelectual nos meios acadêmicos e além muros. Amador sempre teve um pé e um olhar para fora. E no seu trabalho diário, publica nos jornais, suplementos literários , blogs e outros meios digitais. E haja troféu! vitórias! E homenagens! A vida não cabe no Lattes!

Poesia é elaboração e planejamento! Falou com autoridade! E no seu início poético, Amador rejeitava as metáforas! E eu com meus botões! Mas acabei de discutir a importância das metáforas com meus alunos, através do filme O Carteiro e o Poeta! Vou ter que me re-formular ! mas para meu alívio, logo em seguida, ele reconhece que as metáforas podem sim, ser ricas. E o meu lírico ausente, e oblíquo, pode não ser tão dissimulado. Ufa!

A banca não cansou de elogiar e de se surpreender com a produção do professor. Um Lattes de fazer inveja, com suas 107 páginas!! E era Caetano, Clarice e Caetano!! E os poetas concretos! E pau e pedra! E mais 49 anos de ensino. “A poesia inverte este mundo, para criar outro”, anotei no meu caderninho!
De tantos aprendizados, Amador cita Barthes todo o tempo, com o Saber & Sabor, tudo o que é preciso nessa vida! E com essa ideia ele se faz companheiro e facilitador dos alunos, que já conta aos montes, dos admiradores, orientandos, colegas, pupilos. Eu própria fui sua aluna em Teoria do Texto Poético, já Doutora, mas com os olhos arregalados para o mistério da poesia. E com seu sotaque caipirrrrra, matuto e afetivo, e que sente saudades de torresmo , lá se foi ele, com sua ensaística criativa e funções poéticas singulares, a falar desse mesmo poético enquanto meio e código de vida. Mas a criação é sim um processo emocional, reconhece, mas principalmente da consciência da linguagem. Um processo cerebral que não se consegue explicar. Pois sim!

O memorial de Amador foi fora do padrão! Assim como Virginia Woolf, ele acredita que a vida, arte, trabalho, escrita, está tudo junto e misturado. E junto com os alunos principalmente. E por isso, fez da sua docência, um ato libertador. “O poeta inspira cuidados”, à uma certa altura, recitou um outro poeta da banca examinadora, Sérgio de Castro Pinto. A vida? Um eterno despir! O seu texto de memórias, uma Madeleine de volta ao passado. Sua vivência acadêmica in-dissociada da vida privada. Dois olhares! Um de Sampa e outro de João Pessoa, onde mora há 25 anos. O contemporâneo que dialoga com a tradição! Uma Alegria Alegria de fechar um ciclo de quem cumpriu seu trabalho com maestria e singularidade.

A banca perguntou – quem é Amador? O que é ser Titular? Como é escrever poesia no papel em épocas digitais? Do possível desaparecimento do livro? Amador cita Einsestein e o folhear dos livros. Umberto Eco constatando que, uma colher será sempre uma colher! Falou do estranhamento, dos desafios, das entrelinhas, e respondeu a pergunta: “para que serve a literatura, a poesia?”. Sem titubear, “para alterar a percepção de quem lê o óbvio, de quem vê e de quem sente!”. O pobre do professor das exatas (que fez parte da banca examinadora), ficou atônito. Logo ele que na sua própria defesa do memorial só havia se preocupado com os números, com as páginas coloridas e com tudo o que o quantitativo indicava para sua aprovação. Quando se viu perdido no mar das palavras, e desse memorial sensorial e mais ligado à imanência dos não ditos, ele próprio achou suas respostas, pois sua própria leitura de memorial havia lhe des-norteado! E lhe alterado! Pronto estava a poesia cumprindo o seu papel!

Eu, na plateia muda e a correr com essas notas, confesso que fiquei muito feliz em compartilhar desse modo nada cartesiano de se comportar. Com essa outra maneira de relatar, de contrastar, aprender, e mexer com os sentimentos, inclusive os acadêmicos.

E contrariando Antonio Cândido e sua modéstia, alguém da banca exclamou: “ Amador, faça-me o favor de dizer; Eu sou o Cara!”

Concordo! E gostei de flanar nas suas palavras encantadas Amador!

Parabéns !
Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 1 de maio, 2016

 


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