Paulo Amilton

Doutor em Economia.

Economia

O isolamento radical e a crítica de Lucas


28/05/2020

Na imagem o economista Robert Lucas Jr. - autor da crítica do Lucas - Foto: Getty Imagens

Alguns Estados brasileiros adotaram o isolamento social radical. A decretação tem como objetivo o aumento do afastamento das pessoas para que a taxa de contaminação do vírus diminua e o sistema de saúde pública não entre em colapso. No entanto, informações fornecidas pela imprensa mostram que tal objetivo não encontrou guarida no comportamento da população dos locais nos quais o isolamento social radical foi estabelecido. Por exemplo, na região metropolitana de Recife, que foi objeto recente de isolamento radical, a taxa de isolamento está em no máximo 53%.  O rodízio de carros funcionou, mas outros modais de transporte passaram a apresentar superlotação. Ou seja, em vez da população se afastar, se aproximou mais ainda, com possíveis consequências no processo de contaminação da população.

Procurei algum conceito na teoria econômica que pudesse explicar o comportamento da população em relação ao isolamento social radical e encontrei a crítica de Lucas. Esta crítica foi formulada pelo economista Robert Lucas para a adoção de políticas macroeconômicas e inaugurou a corrente teórica na macroeconomia chamada de Novos Clássicos. Acho que posso adaptar sua ideia principal para o caso da desobediência civil ao isolamento social radical.

A crítica parte do pressuposto de que os agentes econômicos fazem escolhas que maximizem seus retornos individuais com base numa estrutura de preferências pessoais que muitas vezes não coincidem com a estrutura de preferências do agente que estabelece a política social. Os agentes públicos, aqueles que adotam as políticas públicas, também tem suas estruturas de preferências e fazem suas escolhas com o intuito de maximizar os resultados que tenham melhores impactos sociais. Estes são chamados de primeiro melhor. Porém, obter este resultado implica que várias condições ideais estejam presentes para que a adoção da política social seja possível de ser implementada, como ter um contingente policial que tenha condições de forçar as pessoas a ficarem isoladas.

Robert Lucas apontou a seguinte situação. De forma geral, as políticas públicas são estabelecidas com base em comportamentos individuais passados, mas como as pessoas fazem escolhas que maximizem seus retornos, com o estabelecimento das políticas, estas podem ser modificadas no presente. Neste ambiente, a população não tem incentivos para seguir a melhor política. O convencimento da população a seguir o primeiro melhor tem um custo enorme, pois talvez tenha até de usar medidas coercitivas. Um resultado alternativo deveria está no radar do agente público. Este é não seria o resultado ideal, mas o mais verossímil, dadas as condições culturais, econômicas e sociais de cada lugar em que a política pública for adotada. Este resultado é chamado de segundo melhor.

No caso do isolamento radical estabelecido pelos Estados e Municípios deveria ser levado em consideração aquelas condições. Muitas pessoas não têm a menor condição de se manter em casa por dois meses consecutivos sem uma certeza mínima de terem uma renda de sustentação. Precisam se deslocar à busca desta renda. Então, se não dá para se deslocar de carro, usaram outros modais de transporte. Eles modificaram seus comportamentos, como preconizou Lucas. Os transportes públicos ficaram lotados, a aproximação mínima não foi respeitada e, muito provavelmente, a taxa de contaminação não diminuiu, como era o objetivo do isolamento radical, pelo contrário, deve ter aumentado muito.

Ou seja, o resultado de primeiro melhor não foi obtido. Isto não foi surpresa. Isolamento radical só tem condições de ser estabelecido com bons resultados em países com povos altamente educados ou com cultura de solidariedade social em que cada indivíduo ao fazer suas escolhas observem o impacto delas no próximo. Ou ditaduras. Não é o caso da sociedade brasileira.

Um resultado de segundo melhor deveria está no cardápio das autoridades públicas. A exigência do uso de máscaras desde muito tempo atrás deveria ser uma. Se o desejo é manter pessoas isoladas e empresas fechadas, então políticas públicas que as incentivasse a fazer isto deveriam ser desenhadas e operacionalizadas de uma maneira mais organizada. Não existe nada que incentive mais um ser humano do que a concessão de recursos pecuniários. As empresas deveriam ter canais de concessão de créditos mais facilitada. O estabelecimento de regras de afastamento em lojas abertas já deveria está em vigor a muito tempo, em vez de gastar horas de debate sobre o uso de uma droga que não tem nada de milagrosa.

Não existe diretriz de abertura do comércio e indústria de nenhum ente federativo. Ou seja, parece que estamos vendo aquele filme “apertem os cintos, o piloto sumiu”. O problema que este filme aqui não é uma comédia, mas um filme de terror e, por isso, nem um pouco agradável. Só para os mórbidos ou militantes loucos.


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