Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

O Invasor


30/03/2010

Foto: autor desconhecido.

Para Raoni Kuleska, afilhado que vi pequenino, pelas ruas enlamaçadas e tranquilas do Bessa, Parabéns e por isso cantarolo : Não confie em ninguém com mais de 30 anos!!

{arquivo}Não é o filme de Beto Brant, nem o ladrão quis roubar minha vida. Muito menos me pareço com Malu Mader. Mas quase!

Saí de casa sexta feira à tarde. Uma moto estacionada em baixo da sombra do meu sombreiro. E outra moto em frente. Por segundos achei aquela cena esquisita, e parei o carro. Pareciam falar ao celular, em trabalho. Pela manhã homens se penduravam no poste para consertar fios. Parei, olhei, senti, mas fui adiante. A gente nunca escuta as sensações. E como eu sou uma bruxa para intuir coisas. Quem sabe até daria para Brida!

Daniel chegou primeiro. Assustou-se quando viu os armários abertos, coisas no chão, e a porta aberta. A ficha não caiu e pensou que Lucas estava com visitas no terraço. E foi entrando e dando de cara com os desmantelos e coisas pelo chão. E só ao entrar no escritório e avistar meu quarto, foi que viu o tsunami e finalmente raciocinou: Assalto, arrombamento, arma. E correu de volta, e com as pernas bambas quase não conseguiu abrir a porta e pedir socorro aos amigos, que por sorte , ainda manobravam na esquina.

Uma sensação horrível – Chegar na sua casa e ver todos os seus códigos de guardar coisas, desarrumados, destroçados. Primeiro minha sacola do trabalho. Cadernos, dicionários, apostilas, livros, e Virginia Woolf de pernas para o ar! Os guarda roupas? Tudo no chão. Caixas e caixinhas com minhas bijoux. Todas as gavetas com documentos, recibos, contas, pequenas lembranças. Achei um autógrafo de Marisa Orth para Daniel, que peguei num encontro casual na calçadinha. Uma foto do meu pai pela passagem, bilhetes, fotos familiares, cartas, rabiscos, diários, tudo espalhado pelo chão. Minha máquina fotográfica rosa, presente recente de aniversário? Levaram com minhas fotos do carnaval das muriçocas. O ladrão a me olhar pela lente da fantasia…. Mas não levaram mais nada. Queriam jóias e dinheiro. A primeira não tenho. A segunda, pouco e no banco. Professora Universitária não tem dinheiro em cofre. Concluí que minha casa não é boa de ladrão, só tem : livros, quadros, artesanato, colares e brincos. E isso me assusta. Alguém se habilita?

E vem polícia, perícia, não toquem em nada. E atordoada, nem fome eu sentia. Só náusea e desengano de vida. Como ousam desarrumarem tanto o que já estava desarrumado! Como ousam rasgarem meus sabonetes e espalharem pelo chão. Como ousam desembalar meu perfume de flor de laranja novo e se perfumarem? Como se atrevem comerem o frango assado do jantar? E descobrirem minhas gavetas, meus guardados, meus segredos? E deixaram rastro. Uma bermuda rasgada no meio da sala. Como se me dissessem: Estive aqui, viu?

Mas o pior ainda estava por vir. Até então tínhamos uma charada. Nenhum sinal de arrombamento. Por onde entraram? Até que junto com os peritos – 3 profissionais saídos diretamente dos livros de Conan Doyle, me perguntaram pelas janelas. E a do meu quarto, toda arrumadinha com cortina, eis que, ao desnudá-la, descubro que arrancaram a grade das paredes, quebraram os vidros e calmamente escalaram minha cama, meu travesseiro, meus livros e revistas ao pé da cama. Afastem de mim esses pés! Cama esta que estava cheinha de material das aulas, pois tinha trabalhado toda a sexta feira. E nesse momento a minha grande glória é que não tinham mexido no computador, principalmente nos meus arquivos, teses, crônicas, aulas…..Caso contrário, teria que me aposentar!

Arrombar. Que palavra forte! E que verbo para mexer com nossos instintos de medo avassalador. Toda a adrenalina do homem selvagem frente ao perigo é acionada. Estado de alerta máximo. Paralisada , estava eu, na minha impotência e fragilidade. E ao descobrir que os invasores entraram pela minha janela, janela por onde vejo a lua cheia, por onde encosto a cabeça para dormir, janela testemunha de noites, dias, anos, em que aqui moro (25 anos de Rua Oceano Pacífico – Bessa), e que tinha uma profunda segurança de me sentir íntima e dona do meu pedaço. A rainha do meu lugar. Eis que tudo isso o ladrão levou consigo pelas suas pegadas no jardim, encravadas na minha máquina rosa de guardar memórias.

Já não reconheço mais essa casa como minha. Ando cabreira. Cismada. A intimidade sagrada do lar, já não é tão reclusa e salva assim. E lá pelas 2 da manhã, depois de sair juntando toda minha vida pulverizada pelos quatro cantos da casa, por entre lágrimas e desgosto, fiquei zonza e com dores difíceis de definir. Uma chuveirada de cabeça por entre suores e lágrimas para ver se conseguiria acalmar os sustos.

Dormir? Por entre sonhos e pesadelos. Logo logo, estarei morando engaiolada no meu próprio espaço. Por entre grades, ferrolhos e trancas, com certeza não terei uma tranqüilidade perdida por entre os pés de caju-conta, que um dia encontrei no meu quintal.


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