Paulo Amilton

Doutor em Economia.

Economia

O Dólar e a Moeda dos Brics


31/07/2025

Primeiro de agosto se aproxima e as sanções impostas pelo governo dos EUA contra as importações brasileiras podem ser efetivadas. Embora tenha muita vontade de fazer comentários sobre os motivos políticos da imposição de tal aberração, meu leitor ranzinza do Bessa exige que eu me atenha aos comentários econômicos, dado que sou formado em economia e não em ciência política.

O argumento deste ranzinza é que as sanções não foram motivadas por razões políticas, mas econômicas. Foram as recentes declarações do atual governo brasileiro de se iniciar a troca da moeda de transação do comércio internacional por uma alternativa proposta pelos países que compõe os BRICS que levaram o governo americano a sair em defesa do dólar. Meu argumento é que o maior inimigo, no médio e longo prazo, do uso do dólar como moeda de troca no comercio mundial é o próprio governo americano.

O dólar passou a ser a principal moeda do comércio mundial a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente com os Acordos de Bretton Woods, firmados em 1944. Este acordo estabeleceu o dólar americano como moeda de referência internacional, ou seja, os outros países fixavam suas moedas em relação ao dólar, que era convertido diretamente em ouro (US$ 35 por onça-troy). Este foi denominado de padrão-ouro, pois no final da Segunda Guerra os EUA eram o país com maiores reservas de ouro do mundo e a economia americana era dominante e estável.

No entanto, em 1971 o presidente americano Richard Nixon abandonou o padrão ouro e o dólar passou a ser lastreado em títulos da dívida americana e isto transformou o dólar numa moeda fiduciária. Uma moeda fiduciária é um tipo de moeda que não tem valor intrínseco e não é lastreada por um bem físico, como o ouro ou a prata. Seu valor depende unicamente da confiança que as pessoas têm no governo que a emite. É neste ponto que o problema do dólar aparece.

As atitudes do atual presidente americano solapam a confiança da comunidade internacional depositada nos EUA. Atacar seus aliados tradicionalíssimos como a União Europeia, Mexico e Canadá, não me parece uma estratégia de aumento de confiança. Além do mais, a recente lei proposta pelo gabinete do atual presidente americano, e aprovada pelo congresso, conhecida como “One Big Beautiful Bill Act” , ou simplesmente “Big Beautiful Bill”, às vezes abreviado como OBBBA ou BBB, eleva sobremaneira a dívida pública americana, tanto que as agências internacionais de avaliação de risco diminuíram a classificação da dívida americana de AAA, menor nível de risco possível, para AA.

Os países que detém dólares porque confiam que o governo americano irá honrar o pagamento de suas dívidas. Evidentemente que os países que têm em seus tesouros nacionais dólares não irão se desfazer deles abruptamente no curto prazo. Se a quantidade de dólares no mercado aumenta, com a mesma demanda, o preço diminui. Ou seja, a riqueza financeira dos países sofrerá abalos no curto prazo. Porém, este desfazimento pode ocorrer no médio e longo prazo.

E parece que tal movimento começa a acontecer. O Comitê de Serviços Financeiros da Câmara dos deputados americanos expressou profunda preocupação com o estado dos mercados financeiros dos EUA ao constatar pela primeira vez que os investidores estrangeiros não estão apenas fugindo das ações das empresas americanas na bolsa de valores, mas estão se desfazendo dos títulos da dívida americana. O dólar é um título da dívida americana, pois seu valor é lastreado neles.

Os mercados financeiros mundiais já sentem uma procura maior por títulos da dívida de países europeus, pois sentem um aumento da insegurança regulatória e dúvidas sobre o compromisso dos EUA com o estado democrático de direito. A sanção contra um ministro do Supremo brasileiro estabelecido pela administração Trump ontem mostra ao mundo que as leis só servem para impor a vontade do atual mandatário americano. Interferir numa decisão judicial de outro estado soberano é um ato nunca visto na história da humanidade.

No médio e longo prazo, essas dúvidas podem se agravar, pois no mundo do Bolsoverso as vontades de um ditador não encontram limites, transformando as ações do atual mandatário americano no maior inimigo do dólar e não a moeda dos BRICS. Entendeu meu leitor ranzinza do Bessa?


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.