Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Sociedade

O clube da música


12/11/2023

 

 

Não lembro bem o ano, mas certamente a década era a de 60, que viria a influenciar todas as gerações vindouras com a sua arte pulsante, sua moda reveladora e seu comportamento libertário.

Aluízio, meu irmão mais velho, ainda morava com a gente, e a ele foi confiada a missão de comprar o primeiro LP, para inaugurar a nova radiola que Dona Cora havia comprado com as suas economias.

Ouvinte assíduo das emissoras de rádio de grande audiência na época, e cansado de escutar os bolachões empoeirados que reproduziam boleros e sambas-canções de gosto duvidoso, contei as horas e minutos para a sua volta com o tão aguardado disco em 33 rotações.

Vivíamos na época uma onda de música instrumental, com nomes como Ray Anthony e Glenn Miller, cuja orquestra morrera num acidente aéreo, e por isso não me surpreendi com a sua escolha, apesar de ter me decepcionado com ela.

O nome do álbum era ‘S Music e o maestro e arranjador era um tal de Ray Conniff, que misturava vozes e instrumentos para repaginar canções de sucesso de vários lugares do mundo.

Estavam ali, Besame Mucho e Stranger in Paradise e também estava a Aquarela do Brasil, de Ari Barroso, uma singela homenagem do bom velhinho ao clássico da música brasileira, feita para exportação.

No conjunto, portanto, um disco meia boca, mas que, por falta absoluta de opção, tive que encarar por um bom tempo e até mesmo escutar exaustivamente, mais pelo amor que sempre tive pela música que pelos méritos da obra.

Contudo, foi o meu primeiro LP de cabeceira, e antecedeu muitos outros de qualidade superior que a vida me apresentou nos anos seguintes nas discotecas, nos assustados e nos bailes da vida.

Alguns anos depois reencontrei não apenas o ‘S Music, mas também todos os outros S do bom velhinho, quando ingressei na Rádio Arapuan.
Ali estavam o Wonderful, o Classic e o Continental, misturados entre trilhas de filmes que marcaram época e grandes obras do blues e do jazz, que nunca alcançaram as paradas de sucesso.

E também estavam lá os primeiros registros da Orquestra Tabajara, de Severino Araújo, que não tinham o glamour e o marketing de Ray Conniff, com seus instrumentos e coro, e por isso mesmo não ocupavam espaço nas salas da gente de bem.

Curiosamente, a minha primeira função à frente da discoteca da emissora comandada na época por Otinaldo Lourenço, foi a de selecionar as músicas para o Clube dos Amigos da Noite, que se transformou para mim numa espécie de um clube da luta pela música de qualidade.

E assim foi feito até que alguns anos depois, o Ray, já sem tanta majestade aportou por aqui para matar a saudade de um grupo fiel, que colecionou todos os seus discos e dançou ao som de seus sucessos.

Venerado e respeitado no Brasil, o homem do S, era visto com reservas no seu pais de origem, berço de grandes instrumentistas, mas nada disso impediu que chegasse a milhares de lares brasileiros, inclusive o meu.

Não fui para o show e não sei onde foi parar o vinil que tocou muito lá em casa. Mas, isso pouco importa. Não foi tempo perdido, porque éramos jovens. E assim caminha a humanidade.


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