Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Geral

O bairro que anda comigo


23/04/2023

Foto: Divulgação/Wikipedia

Rua Gama Rosa, 15. Não é nenhum 221b Baker Street, endereço de Sherlock Holmes, mas é o lugar onde eu nasci e me criei no bairro do Roger.
Também não tem e nunca teve grandes mistérios, mas tenho de registrar que por lá aconteceu um crime, apesar da acusada em questão ter sido presa em flagrante, depois de fuzilar o marido bêbado que dormia no sofá da sala de estar.
Mas, isso foi bem depois que sai de casa. De modo que a vida no meu tempo, era tranquila até demais. Mas, o fato é que o bairro da minha infância, assim como o sítio de Gonzaga, ainda anda comigo.
Não que isso diga muita coisa. Pelo contrário, estive recentemente lá, num dia de domingo, e a impressão que eu tive é que o bairro, e suas pessoas, pararam no tempo por assim dizer.
Além de serem as mesmas, como os seus pais e avós, ainda gravitam em torno de um tempo perdido, um universo paralelo ou um metaverso por assim dizer.
O pão nosso – deles – de cada dia, por exemplo, é um dos mais antigos da cidade e a padaria continua a se chamar Flor das Neves, outrora vizinha do Externato Sagrado Coração de Jesus.
Nada mais natural para quem ocupa parte da área da igreja, e tem por vizinhos a própria arquidiocese, o colégio Pio XII e a Catedral Metropolitana.
É preciso que se diga, porém, que o Roger, apesar disso tudo, era um bairro com uma certa ascendência na política e na sociedade em geral, se é que isso valha alguma coisa.
E também não se pode esquecer, que ele tinha o seu próprio apartheid. Havia o alto Roger e o baixo Roger, onde funcionava a grande penitenciária da cidade e o lixão.
A maior vantagem de todas, porém, era a proximidade. Dos cinemas, do teatro, da biblioteca, das bancas de revistas e das livrarias. E também das lojas de discos, dos clubes sociais, do caldo de cana com pão doce e da casa das namoradas.
E também não podia ser muito diferente, porque quase ninguém tinha carro.
Por sorte, já existiam os Beatles e o bar do pai de Sílvio para jogar conversa fora. E a resistência de sua juventude que foi determinante no combate à ditadura militar.
Era o tempo do Grêmio do Colégio Estadual do Roger, de Washington Rocha e tantos outros, e muito deles foram dados como desaparecidos pelos órgãos de repressão.
Outra figura determinante nessa resistência foi o arcebispo negro Dom José Maria Pires, que representava a contento a ala progressista da Igreja.
E foi esse filme, sem tirar nem por, que passou na minha cabeça na rápida visita que fiz ao Roger.
O lugar de nenhum encontro e muitas despedidas.
Mas, onde, de um certo modo, eu fui feliz.


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