Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

O “AI 5”. Tinha que ser numa sext- feira, treze.


24/06/2015

Foto: autor desconhecido.

  

Os supersticiosos já prognosticavam maus presságios para aquele dia. Era uma sexta feira, treze. Após a manifestação de rebeldia do parlamento, contrariando a vontade das forças militares que estavam no poder, reinava uma grande e preocupante expectativa sobre qual a seria a reação deles. A boataria tomava conta do país inteiro.

Decidi não ir ao colégio naquela noite. Preferi ficar em casa acompanhando o noticiário a respeito. Já se dizia que haveria um pronunciamento do governo ao final do dia. O que de fato ocorreu. Precisamente as vinte e duas horas, em edição extraordinária da Voz do Brasil, o seu locutor oficial, Alberto Cury, ao lado do Ministro Gama e Silva, da Justiça, leu a decisão tomada pelo Conselho de Segurança Nacional, que aprovara o texto do AI 5.

Não preciso falar da tristeza e apreensão que se instalaram no coração de todos nós. O conteúdo do documento, ora lido , tinha um teor extremamente forte contra a democracia brasileira. Não eram mais ameaças, eram determinações, definições práticas da postura política de um governo que tirava a máscara e assumia oficialmente a sua face ditatorial. Determinava o fechamento do Congresso, colocando em recesso todos os parlamentares. Autorizava a intervenção federal nos Estados e Municípios. Facultava ao Presidente da República decretar estado de sítio, quando entendesse necessário, e pelo tempo que lhe conviesse. A partir de então estariam terminantemente proibidas quaisquer reuniões de cunho político. Foi instituído um rigoroso sistema de censura prévia para as artes, a literatura e publicações na mídia. As pessoas acusadas de crimes políticos não poderiam mais se valer do instrumento legal do “habeas corpus” em suas defesas. Prisões, torturas, assassinatos, imediatamente começaram a acontecer, de forma silenciosa, sem que qualquer informação fosse repassada para domínio público.

Portanto, estava muito claro que mergulhávamos naquele instante no mais tenebroso período de nossa história. O fim de semana de muitas famílias foi de terror e pânico, com suas residências sendo invadidas nas madrugadas por militares em busca de prender todos os que, na avaliação do sistema, conspiravam contra os princípios “revolucionários” do governo.

Não consegui dormir tranqüilo, imaginando o que deveria estar acontecendo às escondidas nos porões da ditadura que então se revelava oficialmente. Essa noite durou mais de uma década.

• Integra a série de textos “IVENTÁRIO DO TEMPO II”.


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