Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Noves Fora


19/02/2014

Foto: autor desconhecido.

 Noves Fora

"Nove é o zero de um ciclo superior de numeração. Ele é, portanto, o começo e o fim, o alfa e o ômega."

Aos Nove anos ela andou de avião. Queria ultrapassar as fronteiras da cidade. Viu o mundo lá de cima. E tremeu de medo. Foi na cabine do comandante e se ligou nos botões. Da blusa. Sua primeira viagem pelos céus, com nuvem e tudo.

Aos dezenove se casou. Por amor grande. De véu. Mas sem grinalda. E de sandália rasteira. Ouvindo Bridge over troubled water. Só mais tarde viria entender sobre essas águas turbulentas do amor. No avião, sentiu-se tão feliz ! Casada! Enfim sós! Indo alhures em lua de mel, e sentindo-se amada, e dona de seu destino. Nem tanto…

Aos vinte e nove, foi mãe. Nesse espaço de 10 anos…ah! tanta água caudalosa passou! Separou, chorou, danou-se no mundão grande. Amou . Des-amou. Perdeu-se sozinha. Ninguém lhe tinha dito como era difícil essa tal de liberdade. Queria botar em prática tanta coisa do mundo da emancipação feminina dos anos 70, mas também, no escurinho dos seus medos, quis tanto voltar à casa paterna…Mas era teimosa, e resistiu. Queria por que queria ser livre. Tudo uma questão de perspectiva. Nesses dez anos, tudo era festa, farra e rock and roll. E animou-se. Mas estava presa ao passado. Que nem Mrs. Dalloway; aquele fio tênue de felicidade um dia. Mas na maternidade, deu-se por inteira aos encantos dessa barrigona. Amamentando se acarinhava. E viveu tudo de ambíguo, difícil, cansativo e desesperador do primeiro mês com um bebê no colo. Sentia-se muito plena com esse des-conhecidinho nos braços.

Aos Trinta e Nove, perdeu o pai. E o prumo. Começou a ter vista cansada. Teve Depressão, ansiedade, síndrome de pânico e assustou-se. Muito muito muito.Com a finitude. O chão se abriu em crateras. Não entendia essas novas sensações de um real até então desconhecido. Orfandade. Não tinha fé. Nem religião. Mas rezava rezava. E jogava flores ao mar. Pedia quietude no coração. Conseguiu, no dia que entendeu que cada um tem seu caminho e sua solidão. Podemos fazer tão pouco pelos entes queridos. O fim é inexorável. Aceitou . E esse foi o grande aprendizado.

Aos Quarenta e Nove, quando pensou que tinha visto e vivido tanto, cantou com Caetano que muito é muito pouco. Desiludiu-se com o amor. E viu-se diante do perdão. Entendeu a magnitude dessa palavra. Novamente buscou no mar, no silêncio da praia deserta, a compreensão para a fraqueza do ser humano. Do amor. Traição. Como? Quando? Porque? Esquecer? Nunca. Lidou mal. Lidou péssimo. Mas entendeu que tudo é tão pouco diante do amor. Anos de união por uma noite fulgás? Não . Não poderia valorizar tanto assim o ordinário, o cruel, o irresponsável, o diabólico. O perdão, perdoar, amar incondicionalmente, eis a questão. E ponto, tudo ficou mais claro e fácil. E se entenderam. E se amaram loucamente.

Aos Cinquenta e Nove emudeceu. O destino lhe traiu. Perdeu o seu amor. Outra finitude. Virginia Woolf e o instante. Morte, vida, arte. A razão não digere tudo. Ou nada. Nadinha. É preciso um dia por vez. E viver. Entender? Não podia. Uma viagem. Uma mala pronta. E um destino trocado. Não mais as celebrações do amor. Agora, a preparação para uma despedida final. Como se prepara para esse Adeus. Alguns entram em desespero. Outros se aquietam. Ela virou poste. Impassível e paralisada. Com as unhas encravadas feito tatuagem. Com o olhar perdido como Evelyn de James Joyce, Come come! E enquanto o navio partia. Nem Patagônia nem Roma.Ela se resignava a ficar.Na escuridão. Em silêncio. Mudo. Não havia nada a dizer. Nada a pensar. Somente as palavras no ouvido. Sussurros. Beijos. Vida. Sempre.

Deu- se conta desse número cabalístico. Os Nove. Os Fora. As décadas. As datas redondas que quando estão a terminar, pré-anunciam que tudo muda. O efêmero. O novo. As ondas do mar que vão e volta. Agora, uma outra década se faz presente. E tomara que tenha tempo de seguir adiante, com La nave que vá…, e o dia que amanhece. E de repente, lembrou-se dos nove ano, e de uma certa viagem de avião para sua terra natal.

Seus doces anos queridos!

Nove anos.
Nove Luas
Noves Fora

Em Tempo: Estive fora das crônicas por alguns meses. Momento de recolhimento e sem palavras. Aos poucos vou retomando aos assuntos outros…Mas nem tanto!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 19 de Fevereiro, 2014


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