Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Notícias do FAZENDO GÊNERO 9


31/08/2010

Foto: autor desconhecido.

 Durante toda a semana passada, de 23 a 27 de agosto, aconteceu no campus da Universidade Federal de Santa Catarina, o Seminário Internacional Fazendo Gênero 9. Evento que já por nove realizações, discute gênero e estudos feministas, com professores, intelectuais, alunos, de todas as áreas de conhecimento, organizados em19 mesas redondas (Cinema, Feminicídio, Biopolítica, Processos Migratórios, Corpos, Diásporas, Exílios, Diversidade Sexual, Memória, Rotas e Desvios, Teorias e Práticas Queer, Publicações Feministas, Trânsitos Contemporâneos, e tantos outros); 756 simpósios; uma mostra audiovisual com mais de 50 vídeos (A Tale of love, Shoot for the Contents, Reassemblace da convidada especial, a diretora/cineasta vietnamita, Trinh Minha-há); mostra de fotografias; 6 mini-cursos, e 8 oficinas. A novidade deste ano foi o Projeto Crianças no Fazendo Gênero, com objetivos de entreter as crianças cujas mães estivessem participando, desenvolvendo atividades voltadas para a mesma questão, pois é desde criança que se aprende não?

Copiando do Caderno de Programação, “O Fazendo Gênero 9, teve como foco central tema que sugerem movimento tanto pela dispersão de grupos sociais e de culturas através de espaços geográficos quanto pelo desejo de realocações em espaços imaginados e pelo encontro com identidades plurais. O evento sugere, assim, três dimensões para se discutirem algumas das mais significativas experiências dos sujeitos contemporâneos, em sua permanente demanda por cruzamento de fronteiras: diásporas, diversidades, deslocamentos.”

A Paraíba estava lá, representada pelas Professoras Universitárias: Liane Schneider e eu própria do (Dlem-UFPB), Maria Eulina Pessoa de Carvalho(CE), Glória Rabay e Norma Macedo (Comunicação), Gilberta Santos Soares(Cunhã), Ieda Franken, Penha (Psicologia), Alômia Abrantes (UEPB) e mais o tal professor polêmico, Adriano de Leon, que ironicamente trabalha também com as questões de gênero. Digo ironicamente, pois o seu último artigo Mulheres na Política, foi de uma misoginia só.

O evento, que já é considerado o maior do planeta, reuniu 4.500 pessoas e trabalhos, e na mesa de abertura, contou com a presença da Ministra Nilcéia Freire e a palestra da diretora convidada, a premiadíssima Trinh T. Minh-há, cineasta, escritora e compositora, hoje trabalhando na University of Califórnia, que, durante 1 hora e 20m., falou de forma, aparentemente fragmentada, sobre o ato de caminhar, sobre as guerras, sobre as mulheres e suas posições involuntárias de mães dos soldados e mortos; sobre a cor rosa e movimentos Pink, sobre lágrimas, sobre a carta de Toni Morrison por ocasião do evento das torres gêmeas, sobre as palavras e os silêncios de Samuel Beckett, enfim um mosaico de referências e emoções, lidas pausadamente para uma platéia atenta e muda. Densas e fluídas as suas palavras, e que depois, para me sentir mais leve, comi torta Vovó Donalda e prestei atenção no nome lindo e metafórico, de Joana Maria Pedro, uma das coordenadoras do evento.

Ouvi palestras sobre a Memória do Feminismo; os efeitos da globalização; das diferenças entre as mulheres; sobre a violência doméstica (maravilhosa a palestra de Norma Telles, a relacionar o tema com violência de mulheres palestinas, árabes, judias e de que forma o casamento cruzado com diferenças de religião, região e fronteiras, mina silenciosa e paulatinamente, a auto-estima dessas mulheres); sobre autoria feminina contemporânea; sobre utopia; sobre robôs , e novos termos como Sissexual (?), que por si só basta… e novas estórias: Stupid boys are good to relax!

O campus fervilhava de gente de todas as tribos. Um colorido de feira de livros, produtos orgânicos, bolo de grãos, gaivotas piando, neblina pelos morros, Hare Krishna, som de rock e bolivianos vendendo seus artesanatos e sampoñas. No final do dia, todo mundo se sentava nas escadarias do Centro de Convenções, para não fazer nada, confraternizar. Mas enquanto corria por entre uma palestra e outra, fiquei a ouvir duas jovens no ponto de ônibus; estudavam cálculo para uma prova, e pude ver e constatar de que, bem fiz em fazer letras. E todas as subjetividades me pareceram óbvias, mediante àquela complexidade dos números e hieróglifos…

Jovens e não tão jovens hetero/bi/trans/homo ou todos os hífens. E que hífens! Confesso que já não consigo acompanhá-los e me perco buscando quem sou mediante tantos novos conceitos e a desconstrução deles próprios. Senti coisas antagônicas como euforia e um certo cansaço. Cansaço de pensar. E fiquei a sonhar em falar abobrinhas e assistir Comer, Rezar, e Amar, com Julia Roberts e Javier Bardem, do que se chama de Cinema Sensível.

O Café La Bohème com suas sopas, massas e saladas maravilhosas, e cheese cake com café. Um passeio ao pontal da barra para admirar à paisagem e degustar uma anchova assada. Perambular pela Lagoa da Conceição. Uma pizza à moda dos brócolis. Um risoto de camarão por baixo da ponte que liga a ilha ao continente; uma gargalhada sobre a performance Ophélia, com sua criadora Lúcia Sander. Meu simpósio? As Fronteiras No Cinema e Do Cinema, sob coordenação de Anelise Reich Corseuil e Maria Cecília Nogueira Coelho. Adorei: Lugar de Mulher é no cinema…considerações sobre o cinema da “retomada” , de Sumaya Machado Lima (UFSC), que para nossa surpresa, demonstrou que, na década de 60, mulher não fazia cinema. Assim como o futebol, o cinema era espaço masculino! E hoje, depois de Carlota Joaquina, as mulheres foram ocupando também esses espaço; o de uma idéia na cabeça e uma câmera na mão! Um outro trabalho sobre as malas de Almodóvar, e mais um sobre os afetos degenerados no cinema de terror contemporâneo. Não pude deixar de fazer a relação com aquele crime da mala no Rio de Janeiro, onde uma paraibana foi esquartejada e jogada fora com mala e tudo. Mala e terror absurdo, tudo junto, onde nenhuma transgressão contemporânea daria conta de tanto terror macabro.

No Centro, uma visita ao mercado para matar as saudades, uma caminhada pela Felipe Schmidt, uma idéia de que é possível ter um centro de cidade bonito e bem freqüentado. A Livraria Catarinense, o livro mais novo de Adélia Prado, Duração do Dia, o de crônicas de Fabrício Carpinejar, Mulheres Perdigueiras; o lançamento do livro organizado pela colega dos Mulheres & Literaturas Cristina Stevens: Mulher e Literatura – 25 anos, Raízes e Rumos, saindo do forno, e com dedicatória muito especial. E mais Revistas Pagu da Unicamp, e a Ref- Revista de Estudos Feministas. Tantos índices! Tantos assuntos! E eu a querer pensar no sexo dos anjos….

A palestra de encerramento foi com Michel Vale de Almeida, antropólogo Português, deputado eleito com uma plataforma de defesa dos direitos LGBT. Aplaudidíssimo.

Emocionante ver a trajetória desse congresso, que começou timidamente numa salinha, e hoje ver como ele é considerado o maior do Gênero, no planeta! Aquela turma da UFSC: Carmen Sílvia, Silvia Arend, Miriam Grossi, Simone Schmidt, Joana Maria Pedro, Zahidé Muzart, Mara Lago, Tânia Ramos, Cláudia Lima Costa, Suzana Funck, são umas danadas! Infelizmente, não vi divulgação merecida nos jornais de Floripa. Nevertheless, Guga estava em todas. A semana Guga, com banners gigantes por toda a cidade.

Na volta, um mergulho na vida real! Ainda em trânsito no Rio de Janeiro, compro revistas várias, e a Playboy com Cleo Pires com modelo novo de depilação….; um bom assunto de Gênero! Logo no saguão, uma romaria de pessoas humildes para embarcar para minha aldeia. Lembrei de Marilene Felinto e sua preconceituosa leitura de uma tarde de domingo no Castro Pinto.

Chegando em casa, o dever me chama! Fazer feira. E, nas barracas, por entre legumes e frutas, ouço um marido abusado a gritar para sua mulher jovem e acuada: "Vá lá porra, não precisa me perguntar nada. Até para comprar um inhame tem que perguntar?!". Fitei-o indignada, que bufava agressivamente….mostrando-me o quanto a realidade ainda é tão brutal. E como ilustrou Vitória, citando T. S. Eliot: “humankind cannot bear very much reality.”

Enfim…muito mais coisas pensei, enquanto desarrumava as malas, que assim como na palestra sobre as malas de Almodóvar, chegaram cheias de bons trânsitos e deslocamentos, e fronteiras em fluxo.

E meu pesar por José Elias Borges. Não poderia deixar de lembrar que, foi através desse professor ilustre que, primeiro entrei na UFPB, em 1980, com um convite para substituir Eliane Babá (que se lançava aos mares, de barco, rumo à Inglaterra) na Assessoria Internacional. Mais tarde, acolheu minhas idéias mirabolantes para conseguir uma bolsa para alhures, com conversas maravilhosas sobre assuntos da linguistica. Além de professor e pesquisador diferenciado, era um bom papo. De bermudas e tênis, assim como eu, gostava de perambular… no café do shopping.

Que vire uma estrela iluminada! Junto ao Profo. Ramondot, também meu chefe na mesma Assessoria, e à Eliane, que de tanto canoar pela vida, encantou-se igualmente.

E mais tardiamente, meu pesar também por D. Zélia Henriques, figura tão emblemática da minha infância nas Lourdinas.

E de pesar e pesar, a vida segue. Com suas diversidades e deslocamentos. Que venham os dias!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 28 de agosto, 2010


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