Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

MULHERES DESDOBRÁVEIS


08/03/2004

Foto: autor desconhecido.

Por ocasião do dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, escrevi crônica para o jornal `O Norte´ intitulada `Maria da Paz´, onde homenageio a luta diária e seus anseios outros da empregada doméstica. Nesta aqui, queria também homenagear as mulheres que cedo ou tarde, buscam no trabalho intelectual uma das suas muitas realizações. É a mulher extraordinária dependendo da ordinária (comum) e vice versa, como tão bem destacou um dia a escritora Virginia Woolf.

Esta semana viajei a Recife-UFPE para fazer minha matrícula no Doutorado em Teoria Literária. Peguei uma carona com quatro mulheres que iam fazer o mesmo. O carro com nós 5, cortando o canavial a fora, conversa vai, conversa vem, e todas felizes de se aventurarem em busca do saber. Uma tinha filhos ainda pequenos, outra maiores. Uma ligava para saber como iam as tarefas da escola, outra para o marido distante; uma estava ainda meio triste, perdera o pai há pouco tempo, outra vem do interior da terra potiguar. Mais uma que vinha do alto sertão Paraibano, família numerosa de 10 irmães, nossa que casa mais feminina! Outra já conhecia o percurso, sabia todos os ônibus, os bares, as bocas. Uma mais jovem ainda estava meio assustada, se separara do marido, queria novos rumos, mas ainda não sabia muito por onde começar.. E pasmem! Uma delas tinha realizado um desejo: ficado nua em Tambaba! Quanta ousadia!

Pela estrada afora, contemplávamos a paisagem das barracas de fruta pão, jaca, e feijão verde; o sol a pino iluminando uma manhã fervente de março, e nós todas cantando amor febril, a comentar o seminário tal, o autor tal, a aula tal…Eu ainda meio silenciosa, ainda procurando o meu ritmo, ficava fascinada com o talento, a disposição e energia das minhas amigas-alunas.

Já na UFPE, depois de me matricular como uma aluna de verdade, e que sensação rejuvenecedora, me sento embaixo de uma árvore, sentindo o cheiro da nova empreitada. No almoço foi outra festa, tudo fervilhando de gente estudante, professor, pesquisador, livros, cadernos, lápis, formulários, carteira de estudante, 1o dia de aula…Volto ao tempo de infância e fico a me lembrar de um outro 1o dia, no colégio das Lourdinas, tudo tão gigantesco, e eu tão pequenina. Sei que já cresci, mas o tamanho das coisas continuam gigantes, e por incrível que pareça, o frio na barriga ainda existe, pois o medo mudou de foco, e agora, as responsabilidades, as escolhas, tudo parece ainda mais inatingível. Administrar a busca da capacitação profissional conciliado às tarefas domésticas, à maternidade, ao casamento, ainda consiste numa árdua estória do complexo de ser perfeita . Lidar com sentimentos como culpa e mania de perfeição, ainda é o nosso maior inimigo invísivel. Tão difícil deixar o rio correr, nos dar a chance de priorizar a nossa procura do saber, administrar o tempo, escutar a nossa voz interior, sem ter que ser uma centopéia multi-uso.

Já de tarde, voltando prá casa, cada uma dessas mulheres, com suas pastas debaixo do braço, ainda tinham de buscar filhos na escola, arrumar o jantar da família, pagar contas, e organizar tudo com muita disciplina e determinação, para que o trabalho intelectual possa fluir e acontecer sem perdas nem danos. Isso tudo para uma satisfação maior e para que a gente sinta um prazer mais profundo do que o de simplesmente ficar lustrando a casa. Acabei de ouvir na TV, uma Senhora já na 3a idade, viúva e com os filhos criados desabafar: Passei a vida brilhando a casa. Agora, eu é que perdi o brilho!

Como tão bem já disse Adélia Prado: `Mulher á desdobrável. Eu sou.´

Àquelas que estão buscando aprender nos livros…( em especial Betânia, Fabiana, Fátima, e Medianeira), FELIZ DIA INTERNACIONAL DA MULHER!


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