Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Opinião

Morena Bonita


03/08/2024

(Foto: Internet)

Quando eu tinha dezesseis anos, estudava no Lyceu Paraibano, de modo que todas as manhãs fazia o trajeto da rua Gama Rosa, no Roger, até o colégio que ficava na Getúlio Vargas.
Isso significa dizer que todo santo dia, eu cruzava o anel externo da Lagoa, por entre arvores frondosas e via os tais gansinhos que encantaram o compositor Genival Macedo quando ele escreveu os versos do Meu Sublime Torrão.
Também devia ouvir o cantar dos passarinhos e com certeza via o céu cor de anil a que ele se refere no hino popular de João Pessoa.
Mas, ele não apenas viu, mas também sentiu cada detalhe dessa aquarela, talvez porque estivesse se referindo a um amor perdido, possivelmente uma morena brasileira que ostentava seu perfil numa noite de luar.
Vá lá saber.
O que fazia afinal um artista quando jovem, na inocência de seus dezesseis anos, sentado num banco da Lagoa, senão fazer uma declaração sincera a namorada do seu Brasil.
E é bom que se diga, sem a fama da baiana, no auge aqui e lá fora por conta de Carmem Miranda e de Dorival Caymmi, mas com o mesmo poder de sedução a ela atribuída em filmes e canções.
O certo é que o amor era tamanho que ele via a terra sorrir e enxergava no horizonte a sua gentileza.
Um amor platônico, talvez. Nessa idade, muita gente é assim. Vê num sorriso uma permissão para amar. Num abraço mais carinhoso, uma entrega que nunca chega e fica no caminho.
O certo é que, ao escrever uma singela carta de amor, ele sem querer estendeu essa admiração extrema ao chão que ela pisava, ao sol que lhe cobria e à natureza pungente que lhe cercava.
E fez isso com um romantismo exarcebado e uma paixão sem limites. Por isso, mais que uma simples canção de um único amor, a música se transformou no hino de todos os amantes e de toda a cidade.
Não somente da morena, que lhe serviu de inspiração, mas também das brancas ao sol, das negras ao luar e de todas as mulheres que representam o universo do artista.
Sei que muitos torcem o nariz para a canção e defendem a escolha de um hino novo para João Pessoa, mas dificilmente alguém vai sentar no banco de um parque para escrever versos tão sinceros, principalmente se esse alguém tiver dezesseis anos.
É uma pena que os gansos não estejam mais na lagoa, mas a minha cidade continua a mesma, hospitaleira como sempre foi,bonita como nunca deixará de ser e capaz de seduzir até mesmo um menino que se rendeu aos seus encantos.
Como ele, também morro de amores por esse lugar. Pelos seus rios e mares, onde me banhei, pelas matas onde me perdi e pelas trilhas por onde andei.
Porque, como ele, me criei com essa gente inspiradora que faz a arte e que imita a vida.
Vejo aqui o paraíso de Dante, o céu dos prometidos e a terra da esperança.
E, de um certo modo, ela é e sempre será o meu sublime torrão.
Parabéns, João Pessoa.


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