Geral
” Mil perdões”
12/04/2014
Foto: autor desconhecido.
São muitas as canções em que Chico Buarque coloca o “eu lírico” como personagem feminina. “Mil perdões” permite também essa interpretação. Essa música, composta para o filme “Perdoa-me por me traíres”, da obra de Nelson Rodrigues e direção de Braz Chediak, discorre a respeito de uma relação difícil, carregada de ciúmes, excesso de angústia e extrema preocupação, onde há ao mesmo tempo, uma indiferença em relação a todos esses sentimentos. No entanto, eu vou procurar entendê-la como uma manifestação masculina dirigida à sua amada, em razão do ciúme possessivo que ela possuía, e que davam causa ao seu comportamento de erros e de certa indiferença aos sentimentos dela.
“Te perdoo/Por fazeres mil perguntas/Que em vidas que andam juntas/Ninguém faz/Te perdoo/Por pedires perdão/ Por me amares demais”. Ele sabe que as insistentes e inconvenientes perguntas que vive a lhe fazer são consequências de um amor possessivo, doentio, que ela nutre por ele. Chega a compreendê-la quando pede perdão pelos questionamentos que tanto o desagradam. Afinal ela faz tudo isso por amá-lo demais.
“Te perdoo/Te perdoo por ligares/Pra todos os lugares/De onde eu vim/Te perdoo/Por ergueres a mão/Por bateres em mim”. Resolve perdoá-la por ficar a sua procura, querendo saber dos lugares por onde anda e o que faz. E perdoá-la, também, por ser recebido em casa com a fúria de uma mulher enciumada, que no ímpeto da raiva, levanta a mão para lhe bater.
“Te perdoo/Quando anseio pelo instante de sair/E rodar exuberante/E me perder de ti/Te perdoo/Por quereres me ver/Aprendendo a mentir (te mentir, te mentir)”. Interessante que o seu perdão vem muito em razão de identificar, nas atitudes de insegurança dela, o motivo do seu desejo de afastar-se desse clima de briga permanente e sair pelas ruas, sem a sua companhia. Parece mais uma preocupação em também se perdoar por tratá-la assim. Liberar-se de qualquer culpa. As interpelações constantes ensinaram-lhe a mentir, criar estórias que justificassem sua ausência de casa, e assim evitar maiores problemas.
“Te perdoo/Por contares minhas horas/Nas minhas demoras por aí/Te perdoo/Te perdooporque choras/Quando eu choro de rir/Te perdoo por te trair”. A inversão de quem devia realmente perdoar. Numa postura um tanto machista, ele assume a posição de que deve perdoá-la, pois admite que todos os seus pecados tenham sido ocasionados pelo ciúme exagerado dela. Todavia é ela que chora na solidão o seu abandono, que sente a angústia na passagem das horas, que sofre a ausência nas noites vazias. E nessa atormentada convivência sente-se compelido, inclusive a ser infiel, ao falar “te perdoo por te trair”, não no sentido da infidelidade conjugal, mas da traição dos valores e dos desejos opostos praticados por ela. E, ainda assim, ele a perdoa de tudo, porque está convencido de que é verdadeiramente ele, o grande amor dessa mulher com quem vive.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.
O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.