Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Menina de Engenho


06/06/2012

Foto: autor desconhecido.

 Para minhas primas queridas: Virginia, Walquiria, Adete e Marisa Velloso Borges.

Esta semana aconteceu a Semana Cultural Zé Lins do Rego, que em sua trigésima edição, celebrou a vida e obra do escritor paraibano de Pilar.

Li José Lins na minha adolescência e fiquei presa no Fogo Morto, como quem se reconhece naquelas estórias de Engenho. Não um engenho do ponto de vista de uma intimidade secular, mas de uma menina que viveu momentos pitorescos de uma infância por vezes lúdicas-papa-rabo.

Passei férias quando pequena e adolescente no Engenho Recreio, em Pilar, na casa das primas. Já com 6 anos de idade, tive minhas primeiras férias longe de casa. Mamãe conta que quando o carro buzinou, me atirei no mundo, sem dó nem piedade dela, que, de coração partido, deixava a filha se aventurar fora de casa.

Foi no Engenho Recreio e na Usina Tanques que tive férias inesquecíveis. Andar a cavalo e ficar com o cheiro forte entranhado nas pernas; andar de carro de boi com aquele som esquisito de orquestra desentoada, a chacoalhar minhas entranhas; tomar banho de rio com medo das piranhas…e tomar banho de tanque, com sapos enormes nos cantos e uma água gelada no espinhaço; brincar de espiga de milho no meio do milharal; comer no tacho da panela – queijo de manteiga assado; tomar leite no peito da vaca; sair em andanças pelo Corredor; ver a luz se apagar às 10 horas e mergulhar nas estórias de fantasma; jogar banco imobiliário, pega varetas, sueca, canastra e buraco; sair pelo bosque apanhando sapotis maduro e ir até ao riacho pois depois dele já era longe demais; visitar os moradores e vaqueiros e me sentir sinhazinha; sentar no alpendre no mais ensurdecedor silêncio do fim de tarde e ouvir as estórias desses mesmos vaqueiros; tomar banho de cachoeira; ir à feira de Pilar e Alagoa Grande; ir nos comícios sem entender bem o que era aquilo; ter saudades de casa; perder o nascimento da minha irmã Teca; brincar de esconde-esconde, academia/amarelinha; fazer de limão um boi e de uma espiga uma boneca; são muitas lembranças rurais para uma menina de beira de praia.

E foi quando li alguns livros de José Lins que, me reconheci num lugar que também era meu, além de peixe frito com pirão. Um lugar no mato. Confesso que até hoje não sou muito desse horizonte. Tenho melancolia. Meu negócio é urbanidade, ou um coqueiro e um leve cheiro de maresia. Mas na infância, contava os dias para aquelas férias. Depois tinha o amor dos meus tios e das primas queridas , que me acarinhavam de convites, chamego e compartilhamento dos segredos daquela idade.

Era tudo tão diferente da minha casa. Anos depois, vi o Curta de Torquato Joel, acho que Passadouro e ali, já adulta, entendi que o Nordeste , na sua mais profunda essência, fazia parte do meu Eu, tão legitimamente também inscrito na minha vida, e de um cenário que se fazia amálgama com o meu mar azul. Pedaços de : Ocre, anil, terra, verde-água, ferrugem, seca, coqueiro, cipó, aroeira, pasto, bosta, grauçá, caravelas, tudo um recanto de memórias igualmente afetivas.

Quando foi feito o filme Menino de Engenho, eu me sentava numa carteira ao lado de Fátima Henriques(Chôla), no Colégio das Lourdinas, e como senti vontade de estar ali, para dar aquele beijo tão falado em Sávio Rolim, Anos depois, numa sincronicidade de cinema, e na companhia de Paulo e Marisa Melo, tive a chance de visitar no Rio de Janeiro, o apartamento de Walter Lima Júnior, diretor desse filme, e que lá, fiquei muda e emocionada, por estar diante de um momento cinematográfico para valer.

E a vida é tão louca, que, depois, vi Sávio jogado na vida, sem lenço e sem documento, e, fiquei a me perguntar, porque a vida é tão (in)justa? Aquele menino tão lindo e talentoso, não poderia ter se perdido na escuridão, mas aí lembrei-me das palavras de Lou Salomé: “Não te enganes. A vida vai tratar-te mal. Portanto, se quiseres viver sua vida, vai e toma-a”!

Só sei que, ao ler alguns textos de José Lins, me reconheci tanto naquelas narrativas de Taperoá, me vi igualzinha nos Corredores do Recreio, no cheiro perdido da infância na bosta de vaca (até hoje adoro esse cheiro); no medo da linha do trem e dos papa-figos…; da mesa farta; das estórias e lendas da carochinha; do cheiro de melado da Usina, e mais que tudo da minha imaginação, que ao cair da noite, ou sozinha debaixo dos lençóis, tecia estórias enamoradas, vislumbrava almas, tremia diante das adversidades da escuridão, com olhos ainda tão infantis e ingênuos, e que nada entendiam de terra, assentamento, Liga Camponesa, exploração, luta de classe, ciclo da cana de açúcar, opressão dos homens, menos ainda das mulheres.

O riacho e os pés de sapotis, eram o meu limite, que anos mais tarde os vi descritos no conto de Virginia Woolf, “Lapin and Lapinova”, um limite da fantasia x realidade. Pois quando voltava para casa, na Av. Almirante Barroso, lembro de como era difícil os primeiros dias na calçada. Os sons da cidade me causavam estranhamento, e a vida normal, já não era tão normal. Ficava com saudades dos alpendres, dos cheiros do mato, da singeleza das casas dos moradores, e também do “luxo” da casa grande, onde ali, eu era rainha, mesmo que fosse somente por uns dias – Os meus dias de Menina de Engenho!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 05 de Junho de 2012

 


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