Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Marta – De dez em Matemática à uma Ativista da Causa do Envelhecimento


14/11/2017

Foto: autor desconhecido.

Outrora eu era daqui, e hoje regresso estrangeiro,

Forasteiro do que vejo e ouço, velho de mim.

Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei,

Eu reinei no que nunca fui.

(Fernando Pessoa)

Nas Lourdinas, onde estudei por 10 anos da minha vida, tínhamos uma turma que atravessou primário e ginásio. A Quarta A. E lá existia uma porção de meninas de uniforme azul . As várias faces de uma juventude que nasceu em meados dos anos 50.

Na primeira fila, lá estava ela. cabelinho preto, franja, séria, compenetrada, tímida, e insuportável – pois só tirava 10 em todas as matérias e toda vez. Marta Eleonora! Assim ninguém aguentava! Eu menos ainda, que sentava pelo meio, distraída, estudante mediana, e lustrava a carteira nas horas vagas e muitas. e tagarela! que contava os minutos para que a aula acabasse, o colégio acabasse, tocasse o sino, e saíssemos para ver os meninos na porta das Lourdinas. Marta ia de Rural, o pai buscava. Nunca vi Marta no mundo mundano da rua. A minha rua. Para mim, Marta ia para o mundo dos sabidos e dos impossíveis. Inacessível!

Com o passar dos anos, não éramos tão próximas. Mas como não seguir uma colega que só tirava dez? Nos últimos 20 anos, nos aconchegamos mais. E com as vindas a João Pessoa, justo por causa de Nenen, sempre a Quarta A marcava encontro para saudar Marta. Aí já vi Marta uma mulher mais poderosa ainda, radiante com a vida, e principalmente com o trabalho. e as filhas. Um orgulho, Bruna e Priscila. 

No meio desse tirinete virtual, veio o blog Mundo Prateado e as conversas sobre o envelhecimento e toda a trajetória de Marta com Nenen.

Chega o livro- É tempo de cuidar, e eu, que danada! Lá está a Marta dos 10 em todas as disciplinas. Marta elaborada, prática, objetiva, talentosa toda, profunda e comprometida em tudo o que faz, e o pior, escreve crônicas e é boa nisso também?

Pois lá vai Marta falar dos velhos, de cuidados, cuidadores, e a perguntar coisas que, para nós ainda parecia coisa para se pensar depois. Quando vejo, lá vem Marta com livro pronto, com editora, lançamento em livrarias credenciadas e charmosas do Rio de Janeiro, e o livro, na vitrine em fileira especializada no assunto. Prefácio ? Somente de Alexandre Kalache , que conhecia do café filosófico. Marta bota pra quebrar! ela não faz nada a passeio. é tudo traje de festa!

Pois bem, o livro – É tempo de cuidar – Eles envelheceram: E agora?(Marta Pessoa, Editora Batel), é sobre sua experiência de vida, de perder pais jovens ainda, de morar fora, de ser filha única, e principalmente de ter uma babá daquelas de filme. Uma mulher de vida difícil e solitária, e que morou toda a vida aconchegada à sua família. e como ela diz, um ser que agradece todo dia tudo que lhe é cabido. Um “elo perdido”, ela assim a define, por se tratar se um ser iluminado e de outro mundo, literalmente. Nenen!

Marta passeia por esse assunto novo e tão velho, da velhice, das suas experiências ricas e assustadoras e solitárias: dos afetos, das finanças (esse assunto nebuloso e nevrálgico); de re-ver os conceitos todos; o lazer, das impossibilidades, da saúde, espiritualidade, de aprendizados e perdas, de serviços e produtos, de distâncias, de quem cuida e das esperanças e tempos de rede – desde aquela pendurada no terraço, mas principalmente a do mundo de hoje, a virtual.

Mas o livro de Marta não é um manual de como cuidar de velhos. Ela transcendo o assunto das ordens práticas e passeia com propriedade pela subjetividade das circunstâncias do idoso e do seu cuidador. Muitas das questões, espinhosas ou não, cruéis até, às profundezas da natureza humana e suas armadilhas são questionadas no livro. Vi-me representada em muitas perguntas. envergonhada das minhas limitações, e des-conhecimento a respeito de outras. Obrigada Marta!

Marta também fala de compaixão, das variáveis de quem cuida – entrega, troca e emoções balanceadas – enfim, como temos que aprender com o assunto! Sim, porque se observamos algumas culturas, os velhos simplesmente sobem a montanha e se despedem, como no filme – Pequeno, grande homem (Arthur Penn, 1970), ou no último romance de Valter Hugo Mãe, Homens imprudentemente poéticos, que fala dos velhos da aldeia que se suicidam na velhice. na montanha! Como não temos montanha, nem tribo, nem essa concepção da morte, nos vemos paralisados diante da velhice. O livro de Marta nos coloca frente à toda essa questão, e seus desdobramentos. Um mergulho!

O livro é assustador também, pois como somos covardes e nunca gostamos de botar o dedo na ferida, nos vemos impotentes diante de palavras como: cuidados, dignidade, inclusão, apoio, solidão, des-assistência, experimentos. “A velhice pertence a todos nós!” adverte Marta.

O livro nos lembra de que há vários tipos de velhice e ela frisa – a última fase da vida. e repete como um soco – a última! e dos vários modos de envelhecer. Sim – imaginem que aprendi sobre o mito do cuidado. Higino? Sobre Idadismo! (preconceito contra a velhice). e os baby boomers (nós)- os brasileiros nascidos na década de 50.

A pergunta que também permeia o livro: O que seria uma boa velhice? Para a OMS, o Envelhecimento Ativo: Políticas públicas, autonomia e acesso a viver sua velhice com dignidade. Saúde, aprendizagem ao longo da vida, participação e segurança e proteção. Enfim, “a boa velhice começa na juventude!”. E como o tema da velhice fisgou Marta? Uma premência! Depois de 20 anos cuidando de Nenen, cuidar, se tornou um ato político!

E Marta escolhe a palavra “cuidar”, para definir um dos grandes desafios para as próximas gerações. Este será o verbo das próximas décadas deste século. Outra palavra de peso será “compartilhar”: nas tarefas, no organizar, ou no gerir.

O livro nos instiga com uma série de perguntas, como: o que sentimos no papel do cuidador?; qual a saída? E a resposta? contaminar a sociedade por um tipo de afeto pelos idosos, adverte Marta.

O afeto por si já é suficiente para uma revolução, mas Marta compartilha novos conceitos, para esse cuidar, como: co-housing, co-living, aging in place, serious games, cyber seniours, street view, coaching, lifelong houses, conforto emocional, prejuízo afetivo, gerente de projeto (medico), intergeracionalidade, conceito de intimidade (valor velho), privacidade, depressão senil, qualidade de morte, cuidado paliativo, testamento vital. e estabelece novas noções de privacidade, pois tudo que um velho não quer é ficar sozinho. (conferir o filme Nossas Noites, Ritesh Batra, 2017).

Claro que, não poderia deixar de constatar que, o cuidado sempre foi trabalho das mulheres. os homens foram sempre omissos nessa tarefa. nesses novos cuidados é preciso mudar paradigmas. as mulheres estão cansadas de cuidar das suas crianças e velhos sozinhas.

E com os novos conceitos, Marta nos trás os novos serviços: em moda, vestuário, mobiliário adaptado, cosméticos, produtos higiene – fraldão! autoestima, bolsas e sapatos. o conforto, os mordomos virtuais, filhos de aluguel, aprendizagem e inclusão digital, informações confiáveis e reunidas. e tudo isso está também estampado e compartilhado no Guia do Mundo Prateado, como também serviços de vigilância, rastreamento de idoso, luxo de pequenas alegrias, internet das coisas,

O que entendemos como qualidade de vida para um idoso? E Marta responde: Uma vida cidadã! junto às: associação bairros, entidades, rede de apoiadores, profissionais de saúde, serviços, amigos, familiares vizinhos, todas essas soluções que, dinheiro não compra.

Como conclusão, Marta fala de esperança e rede de apoio. “recriar a cultura de apoio ao cuidado nos padrões da cooperação de antigamente, mas com as ferramentas desta modernidade líquida, dificuldades antigas x novas abordagens.” E re-significa o Conceito de Vila – rede de apoio e solidariedade. só assim teremos a transformação, gerada pelo interesse coletivo.Temos que fazer a mudança de cultura! diz Marta. Do individualismo para o coletivo; da negligência para assistência; de autonomia solitária para colaboração; de ajudar para ser ajudado; mobilização parentes, vizinhos, amigos, e do governo.

Kalaache fala da “Revolução da Longevidade”. e como tudo isso é revolucionário; da “cultura do cuidado”, e ele diz – Marta é uma ativista fervorosa! e Marta convida: transforme-se numa aranha! . Como não lembrar da escritora Virginia Woolf, que definia a ficção também como esse ser das teias: “a ficção é como uma teia de aranha, ligada tão sutilmente, talvez, mas mesmo assim, ligada à vida em todas suas quatro extremidades”. tradução livre

E como uma aranha, ligada à vida, Marta conclama: “vire uma ativista do envelhecimento!”

Parabéns Marta! E obrigada por fazer parte desse seu momento de realização e da sua festa!

Ana Adelaide Peixoto – João pessoa 9 de Novembro, 2017


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