Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Sociedade

Macacos me mordam


01/05/2023

 

 

Moro no bairro de Intermares há mais de vinte anos. Mudei para cá quando voltei do Rock in Rio de 2001, que foi uma odisseia na terra.

Ninguém queria vir. Nem a namorada, nem o cachorro maltês dela e muito menos os agregados. De modo que tive de negociar para montar praça no meio do quase nada.

O local era o point dos surfistas de então e era conhecido como o mar dos macacos. Um território de ninguém com bares à beira mar e muita doideira.

E tinha também as tartarugas marinhas que davam um toque de preservação ao lugar.

Enfim, o cenário perfeito para se viver bem e com a natureza na sua porta.

O prédio, por sua vez, não era murado e a gente tomava banho de piscina interagindo com os nativos que atrasavam os passos para limpar a vista.

O bairro não ficava atrás e não tinha padaria, nem farmácia e muito menos supermercado.

Escola, então, nem pensar. Tinha um centro comercial na esquina e uma banca de revistas que resistiu enquanto deu. Era vizinha ao bar da Buchada e de frente para a conveniência do posto.

Também não havia calçamento. Só na Atlântico e na Mar Vermelho.

Curiosamente, eu fizera a campanha de lançamento do loteamento, uma parte dela ambientada na casa de Hermano José.

Bom, era o que se tinha no início do século, mas antes que eu comece a falar da praia de Intermares de hoje, pediria licença para lembrar da demora da capital em se instalar de malas e bagagens no seu litoral.

Em números reais foram bem mais de três séculos às margens dos seus rios sem nem mesmo navegar.

Anos de burros e carroças, bondes e trilhos, carros e ônibus e também do pé no chão.

Foram poucos os visionários que ousaram se aventurar pelo litoral. Um deles foi Paulo Barreto, pai de Saulo e Paulo, do Gulliver.

Devo a ele a oportunidade de ter visto pela primeira vez o mar, como bem diz a canção. Hoje, é o mesmo mar de gente que paga fortunas para poder lavar os pés nas suas águas. Ou ver os coqueiros de suas janelas.

Um outro conceito e um novo estilo de vida.

Enfim, João Pessoa é outra. E Intermares também.

As farmácias deram crias e os mercados também.

Não é mais um bairro dormitório ou de estação.

A família, por sua vez, também cresceu e o prédio, enfim foi murado.

Apesar de que, na sua frente, ainda se pode ver os mesmos coqueiros onde vivem alguns macacos, que eventualmente se equilibram nos fios de alta tensão.

É o admirável mundo novo de Huxley pedindo passagem à criação para quem não tem a vergonha de ser feliz.


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //