Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Lugares Íntimos


20/08/2013

Foto: autor desconhecido.

"Gostar de alguém é estar em dois lugares ao mesmo tempo" – Javier Cercas ( O Ventre da Baleia)

Minha vida é andar por essa cidade….e a percorrer os lugares da memória, em busca de tempos que não voltam. Tempos vivos. Vivíssimos! Depois que Juca se encantou, me peguei mergulhada nos baús de cartas, fotos, muitas delas publicadas nas mídias sociais, num compartilhamento espontâneo, como se pudesse apreender o instante, em busca de mim, ou do tempo de duração (Dürée) de que falou o filósofo Henri Bergson. E nesse passeio nostálgico, sofrido, e ao mesmo tempo lúdico – se é que posso encontrar esse estado em tantas ausências e saudades – saí re-fazendo nossos itinerários amorosos e cotidianos. Era lá que o nosso amor acontecia. Juca não era um homem romântico de lugares paradisíacos. Só às vezes… Seu paraíso era entre quatro paredes mesmo. Era um homem comum. E raro. Raríssimo!

Nosso primeiro lugar não poderia deixar de ser São Paulo, onde nos re-encontramos na calada da noite. Na vida e no amor. E quando fecho os olhos, inda o vejo cabeludo, escondido atrás de uma coluna do aeroporto de Guarulhos, para me fazer sentir a sua falta…e depois se debruçar em abraços e beijos. Estava apaixonado e nos meus quereres. Todos.

A Banca de Revista do Mag Shopping era um point das madrugadas, dos sábados à tarde, e domingos. Parada obrigatória para comprar jornais e revistas. “Desfolhear” todo o resto. Um picolé Chica Bon, era sempre bem vindo para adoçar nossas tardes de domingo.

No Boteco também chegávamos. Chope com codorna ou pastel de palmito, ou ainda camarão do amor. Sim , esse é o nome do espetinho. O cinema antes, só para aguçar os papos; e o último filme que vimos juntos, ironicamente foi “Amor”. Filme que nos emocionamos e que, o seu cardiologista, Dr. Laurinho Wanderley, adverti-o para que escondesse os travesseiros da casa…numa alusão ao final do filme, e ao perigo que corria, comigo por perto. Um exemplo de “foreshadowing” digno das aulas de literatura inglesa.

Gostávamos sempre de passar na Adega do Alfredo pelas madrugadas da vida, só para tomar um expresso com Cointreau, ou Amarula. O digestivo findando a noite que ainda era uma criança. É claro que, também frequentávamos a cozinha de Fred Ferreira, desde os mais longínquos tempos, quando A Adega, inda era uma casinha portuguesa, com certeza.

Nos tempos de O Sagarana, éramos cativos. E, com o garçom de apelido Senador, nos esbaldávamos na moqueca de camarão, ou nas massas de Walter Aguiar. Acompanhamos esse projeto gastronômico desde os primeiros sonhos, até ,com muita tristeza, o fechamento da casa do Cabo Branco. As noites com o jazz dos Néctar do Groove, eram as mais vibrantes. E uma noite de Reveillon com toda a família e uma brisa morna dos ventos marítimos, será com certeza inesquecível.

Como casal, respirávamos um astral de namorados que já durava 25 anos, e que, mesmo com as birras e brigas que todo cotidiano trás, nunca esquecemos de que, um dia nos encantamos um com o outro. E desse mistério fizemos nossos caminhos, para que, sempre sempre sempre, nos deslumbrássemos com os encontros amorosos, amigáveis, companheiros, ou até mesmo silenciosos.

Juca era um sedutor, e como tal, também aprendi com ele certas artimanhas. Aquelas de surpreender numa tarde qualquer, um beijo roubado, uma mão boba, uma certa malícia no olhar em pleno café, ou beliscão erótico, um palavrão na hora certa, um instinto mais selvagem, uma carícia num lugar não apropriado, e assim seguíamos, caminhando e cantando, mas nem sempre. … As divergências intransponíveis, os temperamentos fortes, as ausências, as lágrimas, as broncas, e tantas tantas distâncias, faziam de nós, também um casal que, de perto não era nada normal; que se chocava diante dos muros da intolerância, das irritações de quem se conhece, ou das impaciências com o conhecido. Fazíamos nos desconhecer sempre que dava, para depois cairmos nas maravilhas de sermos amantes íntimos.

Ir à Livraria e depois ao Café São Braz, era outro programa grato. Horas nas estantes da Política e da História. E sempre sempre sempre me trazia o último lançamento de Virginia Woolf, ou o livro de viagem de Glorinha Kalil. Sabia o quanto esses pequenos gestos me deixavam contente, já que não era muito afeito a presentes e datas.
Mas era o nosso quarto, o nosso ninho e parque de diversões de tudo, de amor inclusive, que mais nos encontrávamos e pautávamos à vida; que ele lia no computador sempre. E eu reclamava… Os livros tantos. As massagens e carinhos para que eu dormisse. Os filmes que víamos. E nossos segredos inconfessáveis.

No terraço, numa certa época, também bebíamos, fumávamos, namorávamos na rede, discutíamos política e amenidades. Abobrinhas. Embora Juca não fosse homem de prosear ao léu…e já eu…adoro o ao léu, o nada, o acaso, e todas as formas de contemplação. Mas entre o ser iluminista que era ele, e a feminista alvoroçada e falante/quieta que sou, aqui e ali nos encontrávamos. Para nosso deleite. Sempre. Ou não!

Quando dedetizávamos a casa, sempre íamos dormir num hotel de beira de praia. Em nome das baratas, nos fazíamos de amantes despretensiosos. Eu me instalava primeiro e depois ele chegava , assim, como quem vem do nada…. Puro filme francês….E ali, naquela atmosfera de passagem, ou de caixeiro viajante, afastávamos a mesmice dos dias iguais. Brincávamos de desconhecidos. E eu de Marilyn…, Ou de conhecidíssimos, o que era ainda mais sedutor. Re-inventar o que já sabemos pode ter lá seus mistérios.

Ir ao supermercado era um programa e tanto. De brigas inclusive. Não íamos nunca fazer a feira, mas pagar contas e aí procurar alguma coisa especial. Brigávamos muito para comprar uma geladeira e uma TV mais moderna. Juca não combinava comigo nisso.E nem em tantas outras coisas. Mas adorava perambular pelas araras do Carrefour domingo à tarde, em busca de uma gaveta, uma prateleira, uma nova pasta, ou novidade tecnológica. E eu, como mulher silenciosa que aprendi a ficar….nessas horas dele, me divertia com minhas listinhas caseiras, ou simplesmente tomando um café expresso com pão de queijo. Nós, mulheres sábias, com o tempo, vamos ficando ainda mais sábias.

A minha moda de vestir sempre foi diferente. E assustava-o por vezes, com meus brincos das orelhas grandes, e kitsch & extravagantemente. Ele zonava me perguntando se eram brincos de rapariga? Não, não se assustem, que não era violento. Era doce. E ignorantemente pornográfico. E para ele, me vesti de mulher da vida muitas vezes, pois trocar de papéis é saudável, erótico, angelical, e é preciso. Nelson Rodrigues sabia das coisas. E graças a Deus, vivemos todos os nossos momentos Bonitinha Mas Ordinária. No sexo ou na cozinha, transitar pelos lugares mais improváveis pode ser irresistível e desafiador…Tudo aos sabores ácidos ou picantes, ou simplesmente amargos.

O Sebrae – seu último lugar de trabalho, era um lugar que hoje então , é a sua cara. Um lugar onde exerceu tudo que soube na vida. Estudava horas sobre Empreendedorismo. Fez amigos, admiradores, e acho e me confirmam diariamente que, fez a diferença por onde andou. Foi reverenciado e admirado como poucos. E lá trabalhou, se divertiu, se aborreceu e cresceu. Descobriu um outro mundo que não o do PT, e se espantava de admiração cada vez que viajava para o interior da Paraíba e descobria um pequeno empreendedor que tinha sucesso e participava da transformação da sua vida, na dos outros, e na do lugar.

Mas, um outro sitio sem ser estado…que não poderia faltar, inclusive da nossa paixão, foram as várias sedes do PT. Acompanhei Juca em todas elas. Desde a primeira. Na Miguel Couto, onde por uma escada escura e perdida no centro de um verão que não foi 42, nos encontrávamos com os primeiros companheiros dessa longa jornada noite adentro. Depois vieram outras sedes, mas principalmente a da Lagoa, onde eu o visitava durante as campanhas de Lula, e de lá saíamos em passeata por todos os lugares, ou íamos ao Cassino da Lagoa tomar o primeiro drink da noite. Carreatas, bandeiras, comitês, campanhas, santinhos, Santos, Santos, Santos, pirulitos, tudo tudo tudo, em situações que na maioria das vezes não gostava. O mundo da política era muito muito avassalador, e eu não fui mordida pela mosca azul…Tive lá minhas dificuldades. Como foi difícil! E já nas suas últimas campanhas, pela minha sanidade e a da nossa vida amorosa, me afastei, sofri, e me decepcionei tantas vezes, com sua obsessão, sua veia política partidária, que para os pobres mortais, nem sempre se aceita ou se sabe lidar.

A casa do camarão – gostávamos de ir. Camarão â vinagrete, ou posta de cavala frita, na calçada com cerveja gelada. Ali, bebíamos e jogávamos conversa fora. Mas foi na Barraca do Lula, onde fizemos esse brinde pela última vez. Mas precisamente na sexta feira (12/04/2013) antes dele viajar para Cuiabá. Bebemos cerveja, contemplamos a lua, e saboreamos o churrasco de peixe. Trocamos beijos, afagos, e ele já falando meio desconcertado (por conta do que ainda viria), me falou de amor. Trocando em miúdos…E hoje me dou conta de quanto tempo já faz que, não lhe tenho nos braços. Nem nas pernas. Em lugar ou tempo algum. Só saudades.

Viajou para Cuiabá, onde morou e foi feliz, e depois para São Paulo, onde também morou, descobriu-se um ser da política e também foi igualmente feliz. Mas foi na sua viagem de volta à terra materna, e sem modéstia alguma que, encontrou seu canto. Não o canto da sereia, mas seu canto no mundo e na alma. O canto de que fala Bachelard. Disse-me durante todos esses anos que, era na nossa casa e com os nossos filhos que se sentia cidadão do mundo. E foi aqui, nesse quintal onde deslumbramos e sonhamos em plantar e debulhar feijão azuki, que sonhamos, vivemos, realizamos, nos amamos muito muito muito e nos despedimos.

Que lugar é esse que é a vida? Ou a morte? Ou as duas coisas? Vivemos e vivemos e seguimos , sempre será com essas questões existenciais que vida nenhuma dará conta.

E com esse lugar de vida e de amor, encerro minha trilogia “Juca”, homenageando-o e sentindo sua presença em cada minuto do meu dia, e em todos os lugares dos meus recantos, os das melhores lembranças, inclusive.

A minha luta continua, Juca! E uma feliz viagem….Sempre.

Ana Adelaide Peixoto – 19 de agosto, 2013


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.