Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

London London Querida


14/05/2014

Foto: autor desconhecido.

 Para Bebé – minha irmã e companheira de viagem

When a man is tired of London, He is tired of life! (William Shakespeare)

Ao contrário do filme “Casablanca” e da célebre frase: “…nós sempre teremos Paris”, sou daquelas que preferem: “Nós sempre queremos Londres!”. Isso porque, não falo francês nem conheço bem Paris; estudei Inglês desde os 12 anos na Cultura Inglesa; fui aluna inúmeras vezes de Mr. Barlow e D. Nair; fiz intercâmbio, o que me deu fluência e mais tarde uma profissão: Professora de Inglês da UFPB que de quebra, me apresentou à Literatura.

Fui a Londres a primeira vez em 1975. E nos 80´s morei perto por quase um ano, o que me deu a chance de desvendar mais este lugar. Vi a Londres das lojas Biba, Mary Quant, Carnaby Street, e dos Clubs do Marquee; os indianos de turbante a me lembrar do ensaio de George Orwell “Shooting na Elephant”; e depois ups and downs de lugares e surgimentos de outros. Fui assídua de Portobelo Road, de Peticoat Lane, de Covent Garden, e Camden Town. Sempre garimpando as roupas hippies indianas, os temperos, cheiros, incensos, e tudo grunge , dark, e cool, como é parte de Londres.

Cheguei de trem. Na Estação de Paddington. E só a chegada foi suficiente para me transportar para Agatha Christie e o seu Expresso para o Oriente. Na plataforma, trens, malas, mind the gap, e o barulho sisudo dos saltos dos sapatos das mulheres.

Londres está sempre a se re-inventar nos lugares. A exemplo, Camden Town que fui inúmeras vezes nos 80, 90 e 2007. Cada mergulho, um flash! E eu, com a pupila dilatada para tanta jewlery, tantos curries, tantos tatoos, tantos punks, e tantos chorões no Camden Lock. Camden não é mais a mesma dos anos 80. Nem podia. Cresceu e virou uma imensa 25 de março global. Mundos marroquinos, árabes, turcos, e a Coreia é lá! Línguas todas! Perdeu o encanto da transgressão e do exotismo. Foi descoberta, inflacionada, e popularizada. Mas mesmo assim, vale um dia por lá, de preferência durante a semana, pois no domingo deve ser insuportável de gente. Para quem frequentou esse lugar há 3 décadas, ele ainda tem seus encantos. A massificação das barracas e dos produtos, pode lhe embaralhar a visão. Melhor parar num dos cafés exóticos, fazer ponto, e ficar a olhar o multiculturalismo ambulante Just in front of you.

O tempo foi pouco. É sempre pouco! A princípio, porque pretendia visitar Richmond e Kew Gardens, uma visita à Virginia Woolf, mas quando olhamos no Google Maps, a rua de Virginia e da Hoggart Press, agora é um estacionamento…e na frustração, desisti. Mas a serendipity da vida me colocou ao acaso em um hotel, no bairro de Bloomsbury, bairro onde um grupo de intelectuais (Virginia, sua irmã Vanessa Bell, o escritor Lytton Stratchey, Maynard Keynes) que início do século XX , discutiam, inovavam, e arrebentavam a mentalidade vitoriana que insistia em ultrapassar os limites do tempo. Fiquei na Russel Square, na esquina da Tavistock Square, praça onde Woolf morou com Leonard por alguns anos. Sua casa foi bombardeada durante a primeira guerra, mas um memorial com seu busto, e um painel com fotos e informações sobre essa escritora genial, estavam lá para me acomodar nos meus propósitos literários. Todos os serviçais do Imperial hotel eram Indianos gentis: Coffee Madam? Quem sabe para fazer jus ao nome do estabelecimento. Apesar da pompa do nome, um hotel antigo e frequentado por turistas ingleses. E como não lembrar também dos livros de Jhumpa Lahiri, das diferenças culturais, dos abismos entre colonizados e colonizadores. E claro, do clássico “Passagem para India” de E. M. Forster, com toda aquela admiração colonizada do personagem, Dr. Aziz, que mais tarde irá se rebelar contra todo e qualquer Elefante, digo Império!

Em Londres, assim também como no Rio de Janeiro, sinto um frisson diferente na barriga. É um sentimento de déja vù que talvez me lembre de outras vidas. Who knows? O fato de conhecer um pouco os lugares mais turísticos e de falar a língua, me dá uma intimidade e mobilidade diferentes do que se eu tivesse na Croácia.

São tantos lugares especiais! Mas perambular pelas ruas à esmo é sempre o meu preferido. Ou ainda os parques. Com seus verdes intensos, flores, bancos iguais aos dos filmes, corvos pretos, e principalmente o silêncio, um convite à introspecção e à contemplação. O St. James, o Regent, o Hyde, e tantos outros recantos que só essa cidade e esse país exímios apreciadores da jardinagem, podem oferecer. Depois tem o clima que favorece. O frio, o vento, a relva, e com isso a capacidade de podermos olhar um caramujo na grama, a exemplo do conto Kew Gardens , de Virginia Woolf, que nos possibilita a um momento de total Bliss. Não consigo me imaginar sentada no calor de J. Pessoa, numa grama cheia de formigas, numa praça qualquer. O frio nos oferece outros compassos que não a praia, o caranguejo e o pagode. Gosto muito dos graus abaixo dos 20. E com uma echarpe enrolada, de Mary Poppins eu vou! Ou de Isadora Duncan, como prefiro!

O hotel ficava na esquina do British Museum. Há 40 anos não entrava nesse museu . Ver todas aquela riqueza de Europa, França e Bahia, tira o fôlego de qualquer um. O espaço arquitetônico arrojado e moderno em harmonia com as colunas gregas, a parte nova, os tesouros, as relíquias, tudo impressiona. Também pensar que toda aquela fortuna, foi a Grã Bretanha que usurpou das colônias, também doe. Mas, nesses momentos é preciso uma certa abstração histórica em nome da contemplação. Uma das obras que me surpreendeu foi a Instalação “Living and Dying” – Cradle to Grave by Pharmacopoeia. Uma mesa gigante com milhões de pílulas e fotos de uma família, representando o que um indivíduo padece entre a saúde, doença e morte. Um bordado de remédios para tricotar a fronteira tão tênue entre vida e morte.

Comer em Londres hoje é uma festa! Os turcos invadiram a praia dos Britânicos. E não mais os indianos. Esses estão em Lisboa vendendo azulejos! Primeira parada? Borough Market. Um mercado de comida, wine bars, barulhento com seus men in suits, queijos, empanadas, geleias, pints, e um sussurro alto que parece estarmos nos filmes das estórias de Charles Dickens, ou de Sherlock Holmes. Mercado que acontece desde 1850, mas acho que só recentemente se re-inventou de modernidades com trufas, patês, sanduiches com picles e ostras. Depois de uma garrafa de tinto, uma empanada de espinafre em pé, e uma lasca generosa de Roquefort, rezei.

Do outro lado, a Millenium Bridge, com fog, ventania, chuvisco e toda a majestade do rio Tâmisa, a me levar para as áreas revitalizadas do Southbank, do Globe Theatre – To be or not to be?! e da Tate Modern que ostentava uma exposição de “Matisse – e seus Cut-Outs”. Entrar nesse museu é um mergulho no espaço da arte, do bom gosto, e da poesia. Um terraço lá nas alturas, nos premiava com a vista cinzenta e majestosa de London London, sem ter que ficar na fila da London Eye… A área do Southbank, antes um pedaço da cidade de centro de prostituição, hoje área nobre, vitalizada e vibrante de atividades culturais, com arte no museu e fora dele.

Os Londrinos e seus sotaques cockney, são uma graça à parte. São pessoas belas e diferentes, todas saídas dos editoriais de moda da Vogue. Uma moda que só eles usam e difere de todos os outros lugares. Transgridem, usurpam, inovam, são chics, são cool, são sóbrios, charmosos, andróginos, fantasiosos, retrô, simples e moderníssimos. E é essa mistura da época Elizabetana com os hippies, punks e afins, que faz da moda inglesa interessante. Vivienne Westwood é só um nome. Alexandre McQueen , outro. Mas os maiores estilistas são aqueles no meio da rua. Uma festa para meus olhos que tanto gosta do assunto. Extremos de clássico, pop, sisudo e modernoso!!!

No sábado, passear em Broadway Market – outro lugar bucólico e esplêndido, à beira do Regent Canal e do parque London Fields. Dica de Mariana Fernandes, jornalista paraibana que se especializa naquela cidade. Jovens estilistas, chefs, joalheiros , tudo misturado com barracas, flores, gente local, global, cadeiras para sentar e tomar chá do Vietnam, um café, um wrap do Irã, uma língua da Romenia, outra ali…acho que russo?! Londres foi invadida pelos Russos. A língua que não quer calar! E o leste europeu ocupando os postos dos sub-empregos, que outrora já fora de outros povos.

Covent Garden apesar das hordas de turistas, é sempre bom re-ver aquele mercado. Chego a ouvir as vozes de outrora, por conta da imaginação e dos filmes. Souvenirs, posters com Amy, Twiggy, um lanche no Jamie Oliver, um quiche, um cheese cake de mirtilo, um anel de âmbar, um cheiro da Crabtree & Evelyn, um homem estátua, um som de violino, ou um Charles Chaplin e seus sapatos bicudos. Um déja vù de 1987, quando deixei Lucas pequeno para fazer meu mestrado. Em outro recanto/ corner, uma moça linda canta ópera, e as pessoas educadamente ouvem em silêncio cerimonial. Uma passada nas lojas de coturno Dr. Martens, um broche antique, tudo é festa em Covent Garden. E claro, uma piscanela na Neil´s Street e suas flores, o restaurante Food For Thought, e um guacamole no Café Pacífico, um brinde à Frida Kahlo com mojitos!

Portobelo Road – foi também num sábado. Nos anos 80, ia todos os sábados a esse lugar. Antes mesmo do filme Notting Hill. Aprecio as lojinhas, pequenos templos da moda, camisetas, brincos, e joias raras do Tibet, Paquistão e outros longínquos places. Notting Hill hoje é lugar fashion e caríssimo. Casas lindas, jardins floridos, e trepadeiras. Dia de sol, festa sem ser no mar.

Os pontos turísticos lugares-comum não canso nunca de ver. Paisagens dos livros, filmes, e da memória. Desta vez, fui novamente à Abadia de Westminster, para ficar muda diante de tanta beleza gótica. Eu, particularmente, com a Poet´s Corner, e rezar para Jane Austen, D. H. Lawrence, Henry James, T. S. Eliot, e tantos clássicos dos meus estudos de graduação e da minha vida de professora. Na saída, um sanduiche de atum e um café para comer sentada nos jardins. Fazia um sol frio, e tendo a estátua de Churchill ao fundo, saboreei meu lunch!Ficar tonta na Ponte Wetminster com tamanha beleza é outra questão! Fotos, ventos, arquitetura, Tâmisa, e a imensidão de Londres aos meus pés.

No último dia, andamos e andamos e andamos. Oxford Street para nos sentirmos turistas acidentais; uma entradinha na Selfridges para ver que aquele consumo não nos pertence; momentos de contemplação em Hyde Park, em meio aos piqueniques dos locais; Trafalgar Square, e o centro do mundo é aqui! E tinha um galo azul no meio da praça… Passeio à pé pela Avenida até o Big Ben, jamais esquecerei minha primeira visão desse relógio, nos idos de 1975, na companhia do meu amigo e colega Ribamar Castro. E no caminho um monumento em homenagem à participação das mulheres na 2ª Guerra Mundial. Belo e triste. Uma pausa para uma reverência. Uma foto. Um instante.

Perambulamos ainda por Soho, um pint no pub- Wine and Spirits- da esquina, uma mulher loira esquisita, com um casaco rosa choque…, outra de vermelho que descansava nas calçadas, uma loja vintage, um café no Shakespeare´s Head, um jantar no restaurante tailandês, mais calçadas, mais ruas, mais flores nos parques, e mais pernas para que te quero.

Desta vez infelizmente ficou faltando o Brick Lane, o Flower Market da Columbia Road, e suas lojinhas retrô. Sempre falta tanto! Muito é muito pouco.

E na saída, sinto as essências dos perfumes – quintessentially British! de Jo Malone – “Fragance is a personal statement…a long-time signature”! os cheiros de Lime, Basil and Mandarin; ou Grapefruit, ou ainda Pomegranate Noir, e Nectarine Blossom & Honey, Blackberry, Amber & Lavender, or Wild Fig & Cassis – Help! Não posso tantos! Melhor um creme de Clementine do Brasil…da Body Shop, que continua linda e against animal testing.

E já a caminho do aeroporto cantarolo: Wandering round and round nowhere to go…

By seeing London, I have seen as much of life as the world can shew ( Depois de ver Londres, não há muito mais que o mundo possa te mostrar) – Samuel Johnson

PS- Estive fora das crônicas por um tempo. Tempo preciso. Perdoem-me os leitores. Tentarei voltar aos poucos. Agradeço a solidariedade e compreensão.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 13 de maio, 2014


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.