Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Paraíba

Lavar Banheiro: Teoria & Prática


11/07/2020

Nesses três meses de isolamento, dispensei a diarista que, duas vezes por semana vem deixar minha casa limpa e perfumada. Nunca fui madame. E sempre dei muito duro na vida, na casa, no trabalho, com filhos, e tudo o mais. Mas, sempre pude ter uma trabalhadora em casa, com carteira assinada, e-social, férias e décimo terceiro, e todos os direitos trabalhistas. O dinheiro do mundo todo era pouco, para que eu pudesse trabalhar, e ter uma cabeça pensante, tempo, principalmente esse, para desfrutar de outras coisas da vida. Claro que desde pequena, tinha as obrigações, fazer a cama, arrumar o quarto, e sempre nunca gostei dessa parte. E para minha vergonha, nunca precisei lavar um banheiro. Limpar , limpei muito, mas digo lavar de água, pra que te quero; vassoura em punho e os azulejos cheios d´água.

Pois depois de muito limpar, e passar pano em tudo, resolvi que ia estrear nessa modalidade de limpeza. Era preciso. Levei balde, vassoura, rodo, detergente, água sanitária, estopa, etc etc, e comecei. Quando o chão estava com dois dedos d´água comecei o ritual. Primeiro o vaso, bucha limpa, perfex; depois sabão em pó no chão, até as bolhas começarem a dançar. O box, o vidro temperado que estava manchado, e eu feliz. Fiquei a  pensar nos meus estudos, nas aulas do doutorado na UFPE, textos como “A Arte como Procedimento” de V. Chklovski. E na minha inutilidade neste ofício a que me propunha.

Quando dei por mim, estava dançando, mas não era de alegria não. O chão ensaboado,  tive que patinar sem ser no gelo, para me equilibrar e não cair. E enquanto escorregava nas bolhas de sabão, lembrava de: Hein, Walter Benjamim? E “A obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica” . Nesses tempos de reclusão, tudo o que eu não queria era levar uma queda. E quanto mais eu tirava o sabão e a água, mas ela se multiplicava, feito aqueles germes que se cultiva pra probiótico. Pra piorar, o meu banheiro é grande, mas a sagacidade dos arquitetos, fazem tudo meio espremido em cantinhos que só de joelho, alcançamos os sujos. Aí pensei, em Roland Barthes e O Prazer do Texto. Nesse momento, o anti-prazer  era sim, a minha inabilidade com a lavagem do banheiro! Ao me ver toda ensopada, achei por bem tirar logo a roupa para em breve cair no chuveiro. Fazer disso logo uma diversão, feito criança dançando na chuva. E ao O cheiro do ralo…..,eu fui.

Depois de litros de água parada atrás da porta, por trás do cabide , do armário suspenso, e do vaso, vi o resultado na minha conta de água este mês! Não tinha rodo que desse conta. Mas a luta continuava. E Antonio Cândido e o seu texto “Direitos Humanos e Literatura”, passou na cabeça. Por fim caí na água, digo, no chuveiro. E depois de tirar os lodos, as manchas, as opacidades dos vidros e arredores, finalmente terminei. Saí descabelada, encharcada e exausta. Enxuguei tudo, inclusive a mim mesma, com medo de uma gripe qualquer, e mesmo essa eu iria pirar de medo, e caí na cama de cansada. Na cabeça? Mario Vargas Llosa e “A Literatura e a vida”.

Outro dia, em estado de urgência, chamei a minha diarista para uma faxina. Máscaras, distanciamento e tudo, e passei o dia todo a segui-la, e ver o seu desempenho e a sua velocidade no trato com a limpeza do apartamento. “O Leitor Comum” de Virginia Woolf me rondava, nem comum eu conseguia ser nessas tarefas ditas básicas. E foi por isso que, me animei a lavar esse bendito banheiro. Com a auxiliar, tudo parecia tão fácil. Joga a água, põe o sabão, lava, enxuga, tudo perfeito e cheiroso. Esnobou meu MOP, meu rodo mágico, e tudo mais. Num minuto amarra uma estopa no rodo, passa o pano, depois água, depois enxuga. A casa fica limpa e linda. E ao vê-la com tanta destreza a fazer tudo com maestria, pensei em como cada um tem os seus saberes . E poderes!

O meu banheiro? Ficou também um brinco, sem pérolas. Mas só eu sei o alvoroço que foi. Sem prática, sem paciência, sem objetividade. Mas me senti orgulhosa de ter conseguido. E pensei em como aquele velho ditado cabia aqui – Antes tarde do que nunca! T. S Eliot teria ficado orgulhoso de mim  como a minha “Tradition and  My Individual Talent”. Nesse momento em que eu aprendia a fazer algo tão substancial nessa vida, lavar um banheiro completo. Terminei, com Virginia Woolf, e Um Teto Todo Seu, procurando o meu lugar, não na literatura e na vida, mas na minha inabilidade em lavar um banheiro. Acho que achei!

Ana Adelaide Peixoto


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