Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Cultura

Intolerância


18/05/2024

Houve um tempo em que uma das maiores festas populares da cidade acontecia no dia 8 de dezembro. 

No calendário católico, a data remete à Nossa Senhora da Conceição, uma das muitas designações da Virgem Maria, mãe de Jesus.  

Mas, a festa pagã que reunia milhares de pessoas nas praias de Tambaú e Cabo Branco, era consagrada a uma outra entidade conhecida nos cultos afro-brasileiros como Iemanjá, a rainha do mar. 

Por essa época, eu trabalhava na rádio Arapuan, que transmitia aos sábados, depois de Mandando Brasa, um programa produzido e apresentado por um babalorixá, famoso em seu tempo, de nome Carlos Leal Rodrigues. 

Pois bem, era esse cidadão, cheio de enfeites e colares, que comandava a festa, feito o general da banda, conduzindo com seus seguidores, oferendas para a sereia abençoada. 

Para muitos, ou para a grande maioria do público presente, porém, tudo não passava de um ritual exótico, que servia de pretexto para a pegação que desafiava os mandamentos cristãos enquanto rufavam os tambores.  

Nesse mesmo tempo, a Clara Nunes, cujos sambas tinham ritmos e referências à umbanda, ocupava os primeiros lugares das paradas de sucesso com hits como O canto das três raças e A deusa dos Orixás. 

Tudo isso me veio à cabeça, quando li nos portais que o furacão Anitta havia perdido cerca de duzentos mil seguidores no Instagram, depois de lançar o clipe de uma música ambientado em um terreiro de umbanda. 

O vídeo, gravado em preto e branco, é de um extremo bom gosto e excelente qualidade técnica, e só por isso já merecia um olhar mais complacente até mesmo dos conservadores de plantão. 

O nome da música, por sua vez é aceita, como uma mea culpa de um pecado original e criativo. Não à toa, destaca-se a nudez da própria artista, numa encenação de um batismo espiritual. 

O grande problema nesse caso é que, quando parte da sociedade resgata o instrumento de intolerância religiosa, abre caminho para práticas ainda mais perversas e contrárias às liberdades individuais das pessoas. 

Já vimos esse filme e o final nunca foi feliz. As pessoas tem a sua religião, as mais diversas, mas muita gente não tem nenhuma crença ou fé, e nem por isso são inferiores à enorme maioria.  

O Brasil, por sua vez, é um país laico, e teoricamente admite a prática de todas as religiões e manifestações afins, o que nos faz de um certo modo mais tolerantes com a fé que não costuma falhar. 

Não vale a pena, portanto, é não é justo questionar ou punir a nossa mais festejada e reconhecida intérprete, por conta de uma opção religiosa, quando o nosso maior problema continua sendo o abuso e a violência sexual contra crianças e adolescentes, praticados até mesmo por padres e pastores de almas. 

Esse sim é um grave problema que merece a nossa vigilância constante e que exige uma punição exemplar. No mais, é hipocrisia empurrar para debaixo do tapete o comportamento de agressores, que no mais das vezes são parentes das próprias vítimas. 

Não se trata, portanto,de ser simplesmente intolerante e sim de aceitar o outro, de respeitar as suas diferenças. Até mesmo, porque no final das contas, ninguém é perfeito. E perdoar, em muitos casos, é um ato de amor. 


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