Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

IMAGINE


14/12/2010

Foto: autor desconhecido.

 No último dia 8, Dia de Iemanjá, o mundo inteiro lembrou a morte do Beatle John Lennon. E eu também cantarolei Strawbery Fields Forever, assistindo à série de documentários exibido pelo canal GNT. Esses trinta anos passados, foram poucos para tantas saudades. Lembro do dia do acontecimento estúpido, e o meu choque entre a indignação e o silêncio desconhecido por mim, sem entender até hoje, como se morre assim, tão assustadoramente por nada, ou melhor, por conta de um idiota literalmente falando, que queria e conseguiu, juntar seu nome ao ídolo, mesmo que com o título de assassino.

A primeira vez que ouvi um Beatle foi em A Hard Day´s Night. E na minha vitrolinha do quarto já não tocava outra coisa. E a partir daí, não deixei mais de ver esses quatro rapazes na TV para loucura das meninas; nos filmes; e nos long plays que viria a comprar. Como morava aqui nesta vila isolada de Liverpool…me contentava também em ouvir as versões de Renato e Seus Blue Caps, e seus Feche os Olhos….nas matinês do Cabo Branco – a alegria alegria me contagiava.

Depois, vi de perto a relação de John com Yoko e o mundo inteiro a criticar aquela mulherzinha franzina e oriental, artista de vanguarda, destruidora de Beatles, e que sozinha , levou Lennon para o seu mundo, e seu país. Lembro que o disco Double Fantasy, comprei dias antes de sua morte, e não tirei mais do som. E não poupei as vezes em que dava para os alunos de língua, as letras de Mother, Woman, e Woman is the Nigger of the World. Doloroso também o filme Imagine, outro documentário belo sobre a estória desse Beatle que desenhava seu rosto com traços e rabiscos infantis. Meus alunos desavisados, cansaram de perguntar: Quem é? Tinha certeza então de que pertencia a um outro século.E sentia que o meu tempo não era tão hoje, como disse Paulinho da Viola, mas que eu já tinha referências num tempo longínquo. Um tempo de Imagine. Música essa que a primeira vez que ouvi, estava veraneando na Praia do Poço, e novamente, de tanta emoção não saia mais debaixo dos coqueiros a ouvir all the people making Love in Peace.

Nesses documentários recentes, revivi também a minha vida, através dos acontecimentos e músicas desse Beatle genial. E fiquei atualizada em muitas coisas que o tempo havia levado. Seu engajamento pacifista por exemplo. Só lembrava do casal na cama por oito dias protestando, mas agora vi toda a política de Nixon em expulsá-lo, por conta do perigo iminente junto à juventude dourada americana; as manobras, e o seu humor e seriedade em ficar. Também fiquei sabendo da sua separação de Yoko, os motivos (levou uma moça para transar numa festa, na frente da mulher). Ela então, numa atitude que só as mulheres sábias tem, despachou-o para Los Angeles, para viver o não vivido. E lá, John enfiou a cara na bebida, nas drogas e no sexo, mas depois de 3 semanas chorava querendo sua Mãe (sim! Chamava Yoko de Mother! Está tudo explicado). A mãe e o pai o abandonaram ainda criança e foi criado por sua tia Mimi. E viu em Yoko uma mãe no sentido mais sublime dessa palavra: a que acolhia, protegia, e amava-o incondicionalmente. Mas amava-a principalmente por apresentá-lo a um mundo novo. O mundo da fluidez, do anonimato (?) em Nova York, cidade que ele cantou, e encantou no Dakota. Yoko dizia-lhe : expresse-se ; não tenha medo! E ela , aquele serzinho minúsculo, feinho (como dizia a imprensa), mignon, e louca, fazia com que esse gigante da Beatlemania, se curvasse ao seu amor, sua arte e sua sabedoria, chegando inclusive a acrescentar com o nome Ono no seu – Com orgulho e sem preconceito!

Nos documentários chorei ao ver cenas lindíssima, como a do casal, dançando pelas ruas, ao som de Love is Real. Ou todas as outras com Yoko e as com Sean, já tão vistas no filme Imagine. Lla Lorona, também se debulhou em lágrimas no filme Let it Be , com os quatro cantando nos roofs da Apple, para uma platéia britânica cheia de estranhamento. Help!

Como também não ter os olhos rasos d´água, quando em 1987 fazendo mestrado na Inglaterra, no inverno debaixo de neve, ouvia So this is Christmas em cada loja que entrava. Saudades de Lucas pequenininho, que nem sabia o que era um Beatle, que dirá o que sua mãe, assim como a de Lennon, o havia “abandonado”. O tempo era uma abstração, e 9 meses poderia parecer uma vida toda….

Fiquei muito tocada, ao ouvir Yoko contar que, um dia encontrou Lennon chorando, e ao perguntar-lhe o motivo, respondeu indignado : as mulheres e como eram maltratadas. Acabara de ler O Segundo Sexo . John era solidário para com as mulheres, e mais ainda para com a sua em particular. Solidariedade no sentido de compartilhar, se por no lugar do outro, coisa que até hoje os homens ainda não aprenderam a fazer. Maior prova disso foi quando teve seu filho Sean, e decidiu abandonar tudo para ser Pai. E ele falou que, como Yoko tinha maior habilidade em administrar os negócios, ela foi para a rua, e ele se dispôs a ficar em casa embalando a cria. As imagens dos dois – pai & filho, talvez se o assassino, Mark Chapman, tivesse visto, quem sabe não teria tido a coragem de interromper assim um amor tão simples e avassalador. Os amigos, todos, falaram da sua expressão de frescor, amor, e alegria, compreendendo tudo de uma maneira fluida sim, e sutil, depois de ser pai de Sean.

Reconfortante no entanto, assistir à todas as entrevistas com músicos, guitarristas, fotógrafos, produtores, seus amigos, hoje senhores de 70 anos, e antes todos muito loucos! A falarem incrédulos do dia em que o mundo chorou a perda de John. Todos unanimemente ressaltaram sua genialidade, sua perspicácia, seu engajamento, seu amor por Yoko, suas vaidades, e seu talento monumental até hoje cantado por toda uma legião de fãs.

Presenciar à morte de Elis Regina, Cássia Eller, Heather Ledger e tantos outros jovens e atormentados, foi um choque, mas John Lennon foi muito mais, foi uma perplexidade incrédula, que me acompanha até hoje.

Só me resta cantar: My Sweet Lord!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 12 de dezembro, 2010


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