Janaína Camilo

Doutora em História; professora da UFCG

Educação

História, Patrimônio Cultural e Educação Patrimonial: conexões com o Ensino de História


23/12/2023

Marc Bloch

 

 

Profa. Dra. Janaina Valéria Pinto Camilo[1]

 

Marc Bloch escreveu que a “História é a ciência dos homens no tempo” (BLOCH, 2001, p. 55), sendo esta, conforme afirma o autor de “Apologia da História ou o ofício do historiador”, a questão central para se entender a História. Nesta linha de pensamento, Lucien Febvre – conforme lembra Jacques Le Goff – completou que não é somente a ciência do homem, mas das sociedades humanas ou dos grupos organizados, revelando outras nuances para se compreender o fato histórico cujas interpretações dependem das escolhas dos historiadores. E, assim, os historiadores passam a exercer um papel preponderante na transformação do monumento (registro do passado) em documento (fonte de investigação), ação que retira os acontecimentos guardados no sono do esquecimento e revela-os como práxis social. A História faz parte, portanto, do jogo da memória de lembrança e esquecimento.

Esta relação entre História e memória torna-se o ponto norteador para compreendermos a importância do patrimônio cultural no ensino de história, que passa a ter como objetivo a salvaguarda dos bens materiais e imateriais para a preservação das identidades e, portanto, das memórias constitutivas da sociedade. Conforme escreveu a Profa. Katia Maria Abud na apresentação do livro “Ensino de História e Patrimônio Cultural”, essas questões são importantes para refletirmos “sobre quanto a Cultura Material e suas formas de manifestação são indutoras de aprendizado em História” (ABUD, 2017, p. 5).

A formação da consciência histórica, afirma a Profa. Kátia Abud, como objetivo do ensino de história – sempre tão vigiada – pressupõe “conhecimento do passado, a reconstrução dos caminhos percorridos pelos grupos sociais no traçado de sua história”. Nesse traçado estão os vestígios que nós historiadores (as) e professores (as) de história procuramos e reinterpretamos, sendo uma prática indelével do nosso ofício. E ao procurarmos os “sinais”, como já escreveu Carlo Ginzburg, nos deparamos com a cultura material e imaterial, com o patrimônio histórico e a memória social que, uma vez retirados do esquecimento pelo historiador, passam a ser documentos histórico e, também, um importante registro para a educação patrimonial de gerência também do ensino de história.

A relação entre Patrimônio Cultural e História ou ainda Educação Patrimonial e Ensino de História está sustentada no uso da cultura material e imaterial como suporte de conhecimento, porque os objetos, os prédios históricos, as ruas, as praças, as cidades, bem como os saberes, as tradições culturais, as manifestações religiosas, as músicas e as danças nos contam sobre histórias de diferentes personagens: homens, mulheres, negros, negras, índios, índias, crianças etc que deixaram, de forma consciente ou inconscientemente, seus registros para outras gerações. O trato desses registros depende do trabalho do historiador que transforma o Patrimônio Cultural, os bens materiais (moveis ou imóveis) e imateriais – que são intangíveis – em suportes da memória e o professor de História, por sua vez, transforma-os em suporte de conhecimento. Vale ressaltar que o patrimônio imaterial só muito recentemente, por meio do decreto 3.551 de 4 de agosto de 2000, é que passou a compor oficialmente a categoria de Patrimônio Cultural Brasileiro.

O estudo da cultura material e dos relatos de experiências do cotidiano escolar, do ponto de vista da “ciência histórica – como ciência da memória social – tem como objeto de investigação o conjunto de eventos da experiência humana” (PACHECO, 2017, p. 21). Assim, se pensarmos nas conexões entre memória, patrimônio e ensino de história, observaremos, conforme afirma Ricardo de Aguiar Pacheco que “a disciplina escolar de história tem a responsabilidade de problematizar junto aos educandos as informações históricas que fazem parte da memória coletiva do tempo presente”. (PACHECO, 2017, p. 21).

Por este viés, as interlocuções entre o patrimônio histórico e cultural e o ensino de história apresentam-se como mais um viés complexo do devir histórico, pois trata-se de interpretar objetos e discursos – muitas vezes guardados em museus, bibliotecas ou arquivos históricos – e transformá-los, como já nos orientou Jacques Le Goff (1984), de monumento em documento ou, ainda, nas palavras de Françoise Choay (2001), de monumento em monumento histórico, utilizando-os como marcas do passado, como exemplos de ações humanas ao mesmo tempo em que o professor de História deve torná-los inteligíveis aos alunos e alunas.

Referências:

ABUD, Katia Maria. Apresentação. In: PACHECO, Ricardo de Aguiar. Ensino de História e Patrimônio Cultural.: um percurso docente. Jundiaí – SP, 2017.

BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

CHOAY, Françoise. Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Editora da Unesp, 2001.

LE GOFF. Jacques. História e Memória. Campinas – SP: Editora da Unicamp, 1990.

LE GOFF. Jacques. Documento/Monumento. Enciclopédia Einaudi. Portugal: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, vol 1, 1984.

PACHECO, Ricardo de Aguiar. Ensino de História e Patrimônio Cultural.: um percurso docente. Jundiaí – SP, 2017.

 

 

 

[1] Doutora em História Cultural pela Unicamp. Pós Doutora em História pela Unicamp. Professora Efetiva e coordenadora do curso de História da UFCG/Cajazeiras. Coordenadora do Núcleo de Documentação Histórica Deusdedit Leitão (NDHDL/UFCG). Professora Colaboradora do Mestrado Profissional. ProfHistória URCA. E-mail: janainavpcamilo@gmail.com


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