Geral
“Gente humilde”
25/11/2013
Foto: autor desconhecido.
Vinicius de Moraes compôs quase na íntegra a letra da música “Gente humilde”, cuja última estrofe traz a autoria de Chico Buarque. O “poetinha” afirmou que havia recebido de Baden Powell, a versão instrumental da canção produzida por Aníbal Sardinha, mais conhecido no universo musical brasileiro como “Garoto”, quinze anos depois do seu falecimento. O lançamento, na sua construção conhecida hoje, aconteceu em 1970 e logo alcançou enorme sucesso.
“Tem certos dias em que penso em minha gente/e sinto assim todo o meu peito se apertar/porque parece que acontece de repente/como um desejo de eu viver sem me notar”. Vinicius expressa sua preocupação com o povo mais pobre do nosso país. E se entristece, ao verificar que fora desse contexto social se sente de certa forma incapaz de fazer algo em ajuda aos menos favorecidos. A sua condição de vida, diferente dos que estão numa classe social desamparada pelos poderes públicos, o deixa um tanto envergonhado de ser um privilegiado, “um desejo de eu viver sem me notar”.
“Igual a tudo quando eu passo no subúrbio/eu, muito bem, vindo de trem de algum lugar/e aí me dá como uma inveja dessa gente/que vai em frente sem nem ter com quem contar”. A observação do compositor acontece quando das suas viagens frequentes que fazia de trem, no deslocamento do Rio para São Paulo, para compromissos artísticos. Novamente ele se coloca na posição de quem está bem melhor do que os que moram no subúrbio que ele vê pela janela do trem. Mas, nesse momento, ele revela a profunda admiração por seus compatriotas que vivem na periferia, que enfrentam o cotidiano de dificuldades e privações, mas que vão à luta, “mesmo sem ter com quem contar”, abandonados à própria sorte. E inveja a coragem e o destemor desse povo, que não se abate com as condições econômicas precárias vividas.
“São casas simples, com cadeiras nas calçadas/e na fachada escrito em cima que é um lar/pela varanda flores tristes e baldias/como a alegria que não tem onde encostar”. Ressalta a singeleza das casas e o modo simples de viver dos seus habitantes. E se enternece com o quadro social que vislumbra. Nesses versos dá um tom de melancolia à música. No entanto o caráter de simplicidade, que compõe aquele cenário, faz com que veja em cada casa a nobreza do que representa um “lar”. Pode não haver felicidade plena, como induz a pensar quando diz “pela varanda flores tristes e baldias, como a alegria que não tem onde encostar”, mas é ali o refúgio, o aconchego da família, um lugar tranquilo; não obstante os problemas, do dia-a-dia, eles encontram eventualmente a paz.
“No meu peito, feito um despeito/de eu não ter como lutar/e eu que não creio, peço a Deus por minha gente/é gente humilde, que vontade de chorar”. Esta última estrofe traz a assinatura de Chico Buarque e oferece um sentido mais político à mensagem da música. Ela foi escrita logo após a edição do AI-5, quando o país mergulhava no mais tenebroso período da ditadura militar. O autor, consciente de sua impotência, no que diz respeito a agir contra a desigualdade social, apela para a providência divina para ver seus irmãos diminuírem o seu padecimento na vida de pobreza. Aquela “gente humilde”, resignada, sem amparo, sem apoio e sem ajuda continuava a viver, como lhes eram permitidos, e isso fazia com que no peito despertasse uma vontade enorme de chorar.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.
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