Ângelo Medeiros

Jornalista, copywriter e advogado.

Cultura

Genival Lacerda: Morre o mestre do ‘duplo sentido’ que brilhou numa época em que o politicamente correto pouco influenciava


08/01/2021

A morte do cantor e compositor Genival Lacerda, de 89 anos, nesta quinta-feira (7), retrata também o desaparecimento de um mestre na arte de fazer música de ‘duplo sentido’. Sem medo de errar, algumas das canções criadas pelo cantor paraibano, que explodiu e ficou conhecido nas décadas de 70, 80 e até 90 por popularizar o ‘forró malícia’ ou ‘forró escrachado’, dificilmente não sofreriam com críticas nos dias atuais, principalmente, por parte dos defensores do politicamente correto.

Mas isso pouco importa. Com mais de 80 discos gravados, Genival Lacerda era um artista nato, sobretudo, de talentosa veia humorística na arte de compor. Com letras debochadas e conotação sexual, ele explodiu em todo o Nordeste e ganhou o País na década de 70. Mas, nunca admitiu jamais alguém ousar chamar a sua música de ‘putaria’. “Isso é outra coisa. Minha música é de duplo sentido”, costumava responder.

Ademais, o paraibano natural de Campina Grande apresentava capas engraçadas dos antigos LP’s, geralmente com mulheres seminuas, ostentando os corpos normais de uma época em que frequentar uma academia de ginástica era algo totalmente fora da rota. Isso, hoje em dia, certamente, era outro ponto que poderia sofrer ataques virtuais advindos dos chatos críticos de internet, os chamados haters…

Capas dos CDS de Genival Lacerda (Reprodução)

A letra de ‘Severina xique-xique’ (1975), talvez a sua canção mais conhecida, ficou na mente das pessoas marcada por gerações, tudo pelo impagável refrão “Ele tá de olho é na butique dela…”. A música, maliciosa e de duplo sentido, foi criada em parceria com João Gonçalves, e regravada por artistas como Marisa Monte, Pato Fu, Forróçacana e Zeca Baleiro, entre outros. Mais recentemente, ele ainda gravou ‘O Chevette da Menina (Chevette da Ivete), com Ivete Sangalo e formalizou diversas outras parcerias musicais.

E, quem não lembra do refrão “Ela deu o rádio e nem me disse nada, ela deu o rádio. Ela deu, sim, foi pra fazer pirraça, mas ela deu de graça o rádio que eu comprei e lhe presenteei…”, da música de “Radinho de Pilha”? Foram inúmeras músicas com conotação sexual leve e de duplo sentido, que até as crianças da época, assim como este signatário, cantarolavam sem problema algum ou pudor. Ainda tinha outras como ‘Mate o véio’, ‘Caldinho de mocotó’ e ‘Fio dental’.

A figura exótica de Genival Lacerda com o chapéu colorido, a camisa frouxa, e a conhecida dança segurando o barrigão ficou eternizada na mente dos amantes do forró autêntico. Sem dúvida, ele foi um artista nato, um grande nome do forró, do coco e do rojão.

A partida de Genival Lacerda é mais uma triste notícia que a pandemia da Covid-19 nos traz. Aos poucos, os últimos grandes nomes de uma época talentosa do autêntico forró vai nos deixando. Há alguns dias perdemos o mestre Zé Calixto; há alguns meses quem partiu foi Pinto do Acordeon, agora segue outro grande artista para a eternidade.

E assim, os mestres vão se encontrando no céu, que já é habitado por Gonzagão, Sivuca, Dominguinhos e tantos outros… Eles foram, mas as obras ficaram imortalizadas.

SOBRE GENIVAL LACERDA

Nascido em 5 de abril de 1931, Genival Lacerda iniciou a carreira no início da década de 1950, em programas de rádio de Campina Grande. Mudou-se para o Recife-PE e, em 1953, gravou seu primeiro disco de 78 rotações, com as faixas Coco de 56 e Dance o xaxado.

Foi pela influência do conterrâneo Jackson do Pandeiro que ele foi tentar conquistar o sucesso no Rio de Janeiro, em 31 de março de 1964. Ele também trabalhou Sivuca, principalmente, na produção do álbum “A fubica dela” (1987).

Conheça um pouco mais da história de Genival Lacerda em entrevista concedida pelo artista ao programa de Jô Soares:


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //