Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Flashes do Carnaval


17/02/2015

Foto: autor desconhecido.

Antes, o Carnaval durava 4 dias. Folia. Cachaça. Transgressão. Homem vestido de mulher. Ala Ursa. Lança Perfume. Bailes. Orquestras. Frevos. E aqui e acolá algum marido sumia…Anos depois, em Olinda, alguma mulher se perdia nas ladeiras. Uma outra levava uma topada e acabava no hospital . Para depois encontrar seu amor numa ladeira suja e cheia de foliões bêbados.

Hoje, escuto as pessoas dizerem: “Não gosto mais de carnaval. No meu tempo…” Entendo. Tudo tem um tempo. E o tempo da juventude é mágico e louco. Já mais velhos, tudo é mais conhecido e mais cansativo. E ficar quieta também é ótimo. Por que não? Mas quando se é jovem a palavra do dia é: urgência!
No carnaval é saudável se querer o grupo. O pertencimento. A alegria conjunta. A loucura compartilhada. Eu sou uma mulher estranha. O que mais gosto do carnaval é justamente a solidão e o anonimato. Por isso gostava das matinais da AABB. Num pequeno salão me escondia de todos, para me perder no vou beijar-te agora, hoje é carnaval!! Fiz isso anos a fio também nas Muriçocas do Miramar. Encontrava os amigos na concentração, despistava e me perdia. E assim, após 3 anos de quietude, fui sozinha novamente. Repetir um ritual e me perder na multidão.

Encontrei um grupo do Carnaval Tradição – Urso Amigo Batucada. E junto com eles fui num baticum só descendo a ladeira. Tinha perna de pão, zabumba, meninas bailarinas, e eu me fiz mascote. E realmente entramos num êxtase da dança, frente à multidão que aguardava Mestre Fuba, Lucy Alves , Alceu Valença e outros.

Enquanto esperava o trio de Alceu descer, fiquei zanzando pela multidão. E é aí que toda a mágica acontece. Milhares de pessoas estranhas. Loucas. Pobres. Lindas. Feias. Fantasiadas. Se beijando. Se maltratando. Pulando. Bebendo. Polícia. Garotos de bairros mais pobres. Periferia. Cabelos oxigenados. Medo. Meninas rebolando ao som da caixa. E uns mundinhos à parte fervendo com seus ritmos, suas propostas, suas estéticas e gostos, nem sempre os meus. Mas ficava a me perguntar: Que cidade é essa? Que povo é esse? Onde estão essas pessoas no meu dia a dia? Que fauna e selva são essas? De gente enlouquecida? Entregues a um dia de permissão, onde a (quase) tudo se permitem? Onde o travesti com sua sainha minúscula mostrava parte da bunda para homens igualmente nus e sedentos pelo desejo, pela alegria fantasiada ??? Nisso , comprei um churrasquinho de queijo coalho, encontrava um conhecido aqui…,outra senhora pulando acolá. E as pessoas iam se permitindo aos seus mais sinistros rebolados, olhares, sorrisos, dentes e bocas. Uma sedução em massa, para seduzir não uma pessoa só, mas toda uma multidão. Serpentear por entre confetes é bom! Eu também fazia parte dessa fauna! Eu também era um ser enlouquecido! E anônimo!

Lá pelas tantas, encontrei o trio de Alceu. Ainda escuro. O homem da meia noite chegou numa van preta. O homem de preto alumiado. Meu coração bobo tomava uma cerveja sentada num alambrado de uma casa do Miramar. Espiava o povo passando. E logo logo o trio se acendeu. E o seu festivo cavalheiro anunciava seu nome. Eu já estava em ritmo de taxi…e cama, mas como não esperar aquele espetáculo? Fiquei fiquei e cantei cantei Maluco Beleza, Vampira, e junto comigo, lá no trio, aquele senhor de quase 70 anos, magrinho e com uma força e um jeito Vivo de brincar o carnaval. O seu frevo fez literalmente as ruas tremerem. As pessoas vinham pulando. Outros arregalavam os olhos para ver. Não sou de olhar o carnaval. O carnaval me come por dentro. Eu como o carnaval. E passa o filme da minha infância ouvindo os papangus e correndo atrás dos bate latas. Era visceral essa minha relação com o Momo que dura até hoje.

Lá pelas tantas, minhas pernas, minha cabeça e minha disponibilidade para o Carnaval chegavam ao fim. A cabeça doía inclusive. Do baticum. Do barulho ensurdecedor dos trios. Tenho intolerância ao bombo elétrico trepidante.Taxi Taxi!

No sábado de carnaval, amanheci sem frisson de frevo. O meu sofá acordou no jardim! E os meus pulos, nos meus sonhos. Quieta fiquei. Quieta gosto. E deixo o filme dos Cafuçus invadirem meus pensamentos. Olha o Cafuçu ê ê ê!! Mas logo chegava a noite e teve o Bloco da Garage, e lá começava uma outra estória.

Ontem, segunda feira, teve carnaval da Casa de Bita, uma prima animada que, todo ano bota gás e lata de alegria na varanda, e abre as portas para os foliões da família. E entre um coqueiro, um banho de mar, e um gole, frevamos tudo de novo. É carnaval. E ainda bem que está terminando.

Gosto do Carnaval. Dentro e/ou fora de casa. E a terça insana? Ficarei com certeza entregue aos prazeres da cama, mesa e banho. De mar, of course!

E o batuque?? Batuque na cozinha / Sinhá não quer / Por causa do batuque / Eu queimei meu pé /Batuque na cozinha / Sinhá não quer / Por causa do batuque / Eu queimei …

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 16 de janeiro de 2015


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