Cansada. Já disse isso outras vezes. Há mais de um ano que estou cansada. E quando penso que vou me animar, novas cepas a caminho: Indiana, Africana, Brasileira, Chinesa, Comunista, e a sensação que tenho é que nem vacinada chegarei à praia.

Bem que a gente tenta. Fotografa panos de prato em preto e branco; compra vinho na promoção; faz bolo, faz pão; participa de lives, recita poesia, assiste aos filmes do Oscar, os filmes B; acompanha os noticiários, chora os mortos; e escreve: “Meus Sentimentos” o dia todo.

Com a notícia do tumor no pulmão de Rita Lee, a nossa ovelha negra, e que se ilumina nos bichos e nas plantas, me deixou cabisbaixa. Sei o tamanho desse desafio e sofrimento. Solidarizo-me com ela. Mas aí vejo também Benjamim, o neto de Caetano a segurar um violão e a dar risadas com o pai Tom e o avô querido. Animo-me. Leio o amigo, Nelson barros a falar de Marla, uma boneca quebrada e consertada, e assim como ela, me vejo a juntar os meus cacos. Ou outro amigo, Saulo Londres, mais londrino do que eu nos amores pela terra dos Beatles e dos Rolling Stones, a falar de uma visita ao futuro. Ouço com alegria o programa de rádio/Sexta de Música de Silvio Osias sobre os 80 anos (completados ontem) de Bob Dylan, e choro ao ouvir Hurricane, a me lembrar das farras em Baía Formosa, na década de 80, com uma turma de amigos que muitos já viraram estrelas.

Faço sessão de fisioterapia. Com o “personal trainer” O meu Pilates abandonado. E os meus músculos doem. A minha lombar dói, o meu Psoas dói, o meu piriforme dói, a minha alma dói.

Assisto a CPI, Manaus, Cloroquina, o filho do cruel, crudelíssimo! E os caminhos sinuosos que cada um traça para se esquivar das responsabilidades. Um pântano! Uma vergonha! Muitos crimes!

Uma barata voou no terraço. Socorro! Tenho pavor dessa voadora. Se esconde nos pratos de Miguel dos Santos e de Maria dos Mares. Fechamos a porta e ficamos no calor. Uma barata que voa e que está bêbada ainda dos venenos da dedetização, é um perigo. Leio as notícias: um bebê imunizado, uma grávida que virou estrela, Junior Teotônio que se foi…E penso na vida. Saudosa.

Minha mãe adoeceu. A cuidadora adoeceu. Minha neta adoeceu. As doenças do mundo. Mas essas estão proibidas de acontecer. Logo nos arvoramos. Logo nos desesperamos. A logística. Os testes. O assombro.

E vieram os mísseis na Faixa de Gaza. As crianças. As mães. As mortes. Canto Hava Nagila. Emociono-me porque assisti um filme “Uma lua de Mel polonesa”, (Élise Otzenberger, 2019),  que não tem nada de lua de mel, mas de um casal francês, judeu,  que busca os rastros da memória naquele país e o apagamento dos seus caminhos. Sincronicidade, pois soube do falecimento da mãe do meu compadre Tek Kulesza, de origem polonesa, e chorei por ela, que encontrei algumas vezes em tempos festivos, quando brindávamos com vodca Wyborowa na cozinha do Bessa, por tempos que não voltam mais.

E por fim, assisto em lágrimas, os imigrantes marroquinos a chegarem na costa da Espanha a nado em garrafas Pet. Um adolescente exausto e ferido, segurando essa garrafa que é símbolo de reaproveitamento de lixo, “desembarca” frente ao fuzil da polícia. Chora, grita e sai correndo para escalar à unha, uma muralha de pedra rente ao oceano. Não consegue, e “teje preso”, aos prantos. Um problema humanitário que não damos conta. Que o mundo não dá conta. E que nenhuma travessia dá conta.

Amanheço hoje assim. Com flashes do dia. Da noite. E respiro. Não me falta o ar dos enfermos da pandemia. Mas me falta o ar de alguma forma. O ar da impotência. O ar da humanidade que se esvai.

Queria uma luvinha daquelas de látex inflada, que uma enfermeira criou para dar as mãos a quem está na UTI, sem poder ver seus parentes e sentir o calor das mãos dos que amam. Uma mão fake para acalantar a dor.

É o que temos para hoje.

Ana Adelaide Peixoto
João Pessoa, 10 de junho , 2021