Cinema
Fernanda Torres para o mundo
09/01/2025
Nesta semana o Brasil está comemorando a conquista do prêmio “Globo de Ouro” de melhor atriz em filme drama pela atriz Fernanda Torres. Temos motivos para nos orgulhar, pois é a primeira vez que uma artista da arte dramática obtém tal prêmio internacional. O cinema brasileiro só teria participado dessa disputa há 25 anos com o filme “Central do Brasil”, de Walter Salles, tendo como protagonista Fernanda Montenegro, mãe da atriz agora premiada. O Globo de Ouro é uma premiação da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood. São os jornalistas que escolhem.
O filme “Ainda Estou Aqui” é um dos 15 pré-indicados para o Oscar que acontecerá dia 17 e concorre, também, ao prêmio da Associação de Críticos como Melhor Filme Internacional, em evento que ocorrerá no próximo domingo, dia 12. O sucesso que vem obtendo no Brasil atesta a qualidade artística de sua produção. No entanto, seu enredo tem provocado debates, considerando a polarização política em nosso país, por abordar a história do ex-político Rubens Paiva, assassinado nos porões da Ditadura Militar. Fernanda Torres interpreta o papel de Eunice, a viúva que assumiu com coragem a criação dos quatro filhos menores, enfrentando enormes dificuldades.
O componente político do filme traz uma mensagem que desperta reflexões, porquanto rememora acontecimentos, para muitos até hoje ignorados, que marcaram a truculência do regime ditatorial que se instalou no país a partir do golpe de 1964 que perdurou por 21 anos. O cinema nacional tratando de questões políticas desconhecidas das gerações contemporâneas denuncia, a partir do cotidiano de uma família de classe média que teve sua rotina violentamente interrompida, as violações aos direitos humanos protagonizadas pelo regime militar nos chamados “anos de chumbo”.
Na tela é apresentada a tortura como instrumento de repressão política, num inaceitável processo de desumanização. E aí está o grande significado da premiação obtida por Fernanda Torres: transmitir para o mundo informações sobre os anos sombrios vividos pelos brasileiros. A denúncia do filme não se restringe ao nosso espaço territorial. Ela, agora, transpõe fronteiras, A adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho do personagem sequestrado e assassinado, retrata bem o que acontecia no período tenebroso do regime militar.
Quando Fernanda Torres ergueu o troféu do Globo de Ouro, fez um discurso de improviso e expôs para o mundo uma realidade cruel desconhecida por muitos dos brasileiros, imagine para os que vivem fora do nosso território. Na sua palavra de agradecimento destacou: “Isso é uma prova que a arte pode durar pela vida, até durante momentos difíceis, como esta incrível Eunice Paiva, que eu fiz, passou. E a mesma coisa está acontecendo agora, em um mundo com tanto medo. E este filme nos ajuda a pensar em como sobreviver em momentos duros como este”. A longa noite que durou 21 anos, quando foram registradas prisões arbitrárias, torturas psicológicas e físicas, assassinatos, corpos desaparecidos que até hoje as famílias não têm conhecimento onde foram enterrados, censura prévia na imprensa e nas manifestações artísticas e culturais, cassações de mandatos políticos, expulsão de brasileiros considerados subversivos obrigando-os a viver no exílio, está sendo objeto de discussão nos quatro cantos do mundo.
Além da glória artística vivenciada por Fernanda Torres, sua premiação passou a ter um significado político de extrema importância: chamar a atenção internacional para os fatos que construíram essa página infeliz de nossa História, como bem classificou Chico Buarque de Hollanda. É preciso que essas verdades históricas se tornem conhecidas, não só entre nós brasileiros, mas por todo o mundo, a fim de que nossa democracia nunca mais corra o risco de experimentar novos golpes que resultem na repetição de períodos ditatoriais.
Viva Fernanda Torres. Viva o cinema brasileiro. Viva Walter Salles. Viva a memória de Rubens Paiva, que teve sua estátua, erigida na Câmara Federal, ultrajada pela cusparada de um parlamentar que se tornou Presidente da República anos depois. Viva a democracia.
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