Rômulo Polari

Professor e ex-reitor da UFPB.

Política

Extrema direita e autocrítica da democracia


21/09/2021

Bolsonaro em discurso na Esplanada dos Ministérios (Foto: Reprodução)

Com o extraordinário progresso científico-tecnológico das sociedades da IV Revolução Industrial e posteriores é possível um mundo melhor com mais democracia. As recentes evidências mundiais de avanço da extrema direita acenam com um rumo na contramão dessa expectativa.

Há mais de uma década, em todo o mundo, a democracia padrão das sociedades ocidentais a partir da década de 1950 vem sendo fortemente atacada. É fundamental compreender essa problemática para além das velhas concepções centro, direita, extrema direita; centro, esquerda, extrema esquerda.

Esse fato é muito mais complexo e profundo do que revelam suas aparências explicitadas no avanço da extrema direita: na Hungria, com Viktor Orbán, na Polônia, com Mateusz Morawiecki, na Turquia, com Recep Tayyip Erdogan, na Itália, com Matteo Salvini, nos EUA, com Donald Trump, e no Brasil com Jair Bolsonaro.

 

  1. IMPORTANTES EVIDÊNCIAS MUNDIAIS

Na Europa, o objetivo maior é formar uma onda ultraconservadora, xenofóbica e eurocética contra a hegemonia do Partido Popular Europeu (PPE), cujas ideias e práticas são de centro-direita, com Democracia pluralista e Economia Social de Mercado, sob expressiva liderança e influência da Chanceler Alemã, Ângela Merkel e do presidente francês, Emmanuel Macron.

A extrema direita europeia tem, também, outros objetivos, um tanto obscuros: “dar voz aos Democratas Cristãos”; “fazer a Europa voltar a ser um espaço sociocultural e econômico de mais de esperança, família, trabalho, direitos e liberdades, e “ressuscitar os valores conservadores ignorados pelo PPE.

Nos EUA, a extrema direita foi ao |Poder com Donald Trump, aproveitando as oportunidades históricas locais para o ultranacionalismo, populismo e conservadorismo. Favoreceu para tanto, os problemas internos do país, gerados com o avanço da China na geopolítica e economia mundial, inclusive com grande superávit comercial em relação aos EUA.

O país saiu do seu padrão histórico de direita: no plano social, político e ideológico, com tendências autoritárias, nacionalistas, xenófobas, racistas, supremacistas branca, e, no campo econômico, com o ultranacionalismo, mas sem abrir mão da atuação do Estado para garantir altos níveis de crescimento econômico e emprego.

O extremismo de direita não foi mais longe, graças à solidez, da democracia norte-americana, principalmente contra os arroubos autoritários de presidente Trump que, ao ser derrotado na reeleição, tentou levar sua grande massa de apoiadores a golpear as instituições do país e anular as eleições e mantendo-o à força no cargo.

No Brasil, em 2018, a extrema direita conseguiu eleger o presidente Bolsonaro, em condições históricas singulares, com o país em grande crise, econômica social e política. Essa conquista contou com substanciais decisões judiciais que impediram o líder de esquerda de concorrer ao pleito, quando as pesquisas o indicam como superfavorito.

Essa ascensão da extrema direita no Brasil tende a se limitar a um mandato presidencial de 4 nos, a se encerrar em 2022.  O seu fiasco econômico é monumental. Daí o seu foco na realidade sociocultural e dos costumes nacionais, ao gosto dos seus adeptos, com fortes teores de ideologias  anticomunistas, autoritárias, homofóbicas, transfóbicas, reacionárias e antiambientalistas.

A extrema direita encontrou no Brasil uma histórica propensão à aventura golpista contra a democracia. Afinal, nos últimos 90 anos, o país teve 36 de ditaduras de direita. O presidente Bolsonaro, partícipe dessa história, ante a perspectiva de sua não reeleição, em 2022, passou a atacar quase diariamente, com ameaças de golpe antidemocrático.

Mas faltaram ao presidente os apoios que desejava dos Legislativo e Judiciário, da atuação aguerrida dos seus adeptos nas ruas e redes sociais e, o mais importante, das Forças Armadas. No Brasil, a chegada ou manutenção no Poder por via golpista só se fez com o comando e aval das Forças Armadas, foi assim, em 1930, 1937 e 1964.

Desse modo, caiu por terra, o sonho de Bolsonaro de golpe militar em seu favor. Mas ele deixa claro que, aceita um golpe em seu desfavor, para evitar a entrega do poder à oposição, menos ainda à esquerda. E, para isso, vem trabalhando muito.

  1. É POSSÍVEL UM MUNDO MELHOR COM PADRÕES MAIS ELEVADOS DE DEMOCRACIA

 

Reflexões sobre o mundo em crise pandêmica, econômica, política e sociocultural

 

O biênio 2020/21 está sendo dolorosamente trágico. Quem diria que o aparentemente tão poderoso mundo econômico-financeiro globalizado entraria em pânico, por conta de um vírus! Parece até resultado concreto de frase de filósofo sombrio…: “Tudo que é sólido se desmancha no ar.”

Essa fase de angústia humana generalizada levou-nos a pertinentes indagações filosóficas e existenciais: a) por que o mundo se desenvolve deixando um enorme deficit sanável de felicidade e bem-estar humanos? e b) por que vem sendo assim tanto naqueles países ditos democráticos como nos ditatoriais de direita ou esquerda?

As sociedades estão aprendendo, na dor, que têm que ser mais afeitas à ética da solidariedade e do bem comum! Já passou do tempo de uma efetiva adesão social ao processo civilizatório que nos irmana por laços vitais de interdependência. Em todos os bairros, cidades, estados e nações não existem mais eus, somos todos nós!

Lutar a favor disso passou a ser, além de um mandamento moral e ético, uma atitude racional. É insensatez e contradição demais, as pessoas saberem da positividade e virtude do bem, mas praticarem o mal que também é para si.

As sociedades sempre geram as condições para um nível de realização dos desejos e aspirações humanos bem superiores aos prevalecentes. O desenvolvimento contínuo das ciência e tecnologia tem um papel essencial, revolucionando as possibilidades de inovação, eficiência e expansão da capacidade de produção de uma imensa, variada e crescente gama de bens, serviços, facilidades e utilidades, com altíssima qualidade.

Por um novo sistema de Poder e suas instituições 

É notório o anacronismo dos sistemas social, institucional, político, e jurídico, e suas bases ideológicas, teóricas, filosóficas, socioculturais, etc. Essa roupagem superestrutural do mundo está se rachando pelas costuras. De longuíssima data, e de modo crescente, não cabe mais nela a correspondente estrutura produtiva e científico-tecnológica. Cresce a rejeição mundial a esse rumo roto, com os seguintes focos:

  1. a absurda concentração econômica: 1% da população detém 84% da riqueza e 22% da renda;
  2. as forças reacionárias que impedem o êxito das justas e racionais aspirações sociais, econômicas, culturais e ambientais progressistas.

Felizmente temos motivos para saudar a civilização emergente, baseada nas relações entre pessoas e coisas que pensam, decidem e agem com grande peso no provimento dos meios da vida humana. O obsoleto universo socioeconômico e político tende a implodir, sob novas e fecundas forças corretivas.

Nesse sentido, já estão em prática formas inovadoras de exercício da cidadania e de relações sociais em sistemas online que unem bilhões de pessoas, em todo o mundo. Esse pode ser um caminho próprio à criação de democracias cidadãs e da prosperidade econômica pautadas pelo primado da dignidade humana e sustentabilidade ecológica.

Há razões para acreditar que daqui a cerca de duas décadas, o mundo pode e deve vir a ser mais razoável, em termos de liberdade, igualdade, democracia, justiça e realização dos seus desejos de bem-estar e felicidade humana.

Há uma nova consciência sobre as insuficiências das instituições, sociais, políticas e jurídicas das sociedades contemporâneas e suas bases ideológica, cultural, filosófica, etc. Esse todo que organicamente integra o sistema superestrural do mundo é cada vez mais inadequado à correspondente estrutura econômica, técnico-material e científico-tecnológica.

O fato é que, nas últimas quatro décadas, o progresso estrutural assumiu dimensão e complexidade econômica e técnico-material revolucionárias até então nunca vistas. Isso vem tendo um potente efeito na criação de uma consciência humana racional libertadora, nas sociedades em geral, quer sejam capitalistas ou socialistas.

Essa tendência ou busca de solução em movimento chegou ao auge das contradições que sintetiza, a partir do alvorecer da Quarta Revolução Industrial, por voltas do ano de 2013. Entre os fundamentos dessa revolução destacam-se os avanços das tecnologias da informação, digital, internet das pessoas e coisas, virtualização, automação e a perspectiva da computação quântica, com meios ultramodernos de comunicação compatíveis com um novo modo de ser da cidadania.

  1. ESTADO E DOMOCRACIA PARA A SOCIEDADE DA IV REVOLIUÇÃO INDUSTRIAL E POSTERIORES

 

Há um processo em escala mundial, com vastos contingentes de pessoas em diversas formas de atuação política criando uma consciência democrática crítica dos velhos sistemas de Poder dos Estados (Executivo, Legislativo e Judiciário) e correlatos órgãos institucionais que, na prática, tornaram-se caricaturas do que deviam ser.

As sociedades pagam um custo altíssimo para manter o funcionamento desse sistema político-institucional dos Estados que se autodefinem como democráticos. O pressuposto justificador é que isso é indispensável ao exercício harmonioso e eficiente das democracias representativas. Mas quem é capaz de jurar que há verdade e sinceridade nisso?

Já faz muito tempo que as sociedades deixaram de se sentir representadas pelos Estados, que deveriam existir para servi-las, e não o contrário. Com efeito, os aparatos estatais tornaram-se um fim em si mesmo, pelo que são de fato, na atuação dos órgãos, dirigentes e operadores que lhe dão existência concreta.

Urge uma nova concepção de Estado que exista integrado ao que lhe é determinado pela sociedade e funcione com órgãos institucionais estatais dotados de capacidade operacional e estrutura tecnológica e organizacional avançada e eficiente. Os seus objetivos e atuação devem ser rigorosamente pautados pelos interesses sociais e coletivos, com vistas ao atendimento das necessidades materiais, espirituais e culturais dos cidadãos e cidadãs. Isso não tem nada a ver com a apologia do chamado Estado mínimo, mas sim com o Estado de tamanho suficiente aos novos fins aos quais se destina.

Esse é o grande problema contemporâneo mundial que se arrasta sem caminhos visíveis de solução. Ao contrário, o que se vê, aqui acolá, são tentativas de retrocessos a formas abomináveis de populismo, fascismo e regimes autoritários.

Lamentavelmente, países que se autoproclamam democráticos estão longe de serem exemplos de promoção da liberdade positiva, justiça, equidade socioeconômica, felicidade humana e sustentabilidade ecológica do Planeta. É difícil saber se a solução virá através dos tão almejados virtuosos ajustamentos, refundação e modernização democrática do Estado.

Esse impasse contemporâneo tem um elevado teor de resolutividade, diferentemente de situações semelhantes anteriores, ao longo do tempo. Afinal, estão dadas e disponíveis as condições históricas, em termos materiais, científico-tecnológicos e de consciência social e política, para a sociedade avançar em qualidade organizacional.

O mundo vive, desde meados do século passado, um longo e contínuo período de progresso científico-tecnológico, capaz de atender dignamente as necessidades materiais e imateriais da sua população. O desenvolvimento das forças produtivas supera, em tempo cada vez menor, os seus inimagináveis níveis anteriores. E haja inovação, produtividade, eficiência e qualidade, e capacidade de produção de uma imensa e variada gama de bens, serviços, facilidades e utilidades!…

Nas suas virtuosas concepções contemporâneas, as pessoas agindo individualmente e em organizações sociais têm colocado com clareza o que pensam e almejam para si e para a sociedade em que vivem. Antes de tudo, querem participação e acesso mais amplo e equitativo nos frutos do progresso socioeconômico e científico-tecnológico. Mas vão, além disso, ao exigirem uma vida social, cultural e política sob o primado da democracia, liberdade, justiça e do desenvolvimento ecologicamente sustentável, com pleno emprego e distribuição mais igualitária da riqueza e da renda.

Mas é imprescindível romper com os absurdos que, historicamente, gravam pesadamente a construção de um mundo mais humano compatível com as novas exigências socioculturais e ecológicas.Essa insensatez se nutre das forças reacionárias conservadoras que impedem a emergência de uma vida social organizada mais razoável, do ponto de vista da realização das aspirações individuais, sociais e coletivas. A luta pela superação mundial dessa suprema irracionalidade mal começou, e será duradoura, mas tem tudo para ser vitoriosa.

Rômulo Soares Polari

Professor e ex-Reitor da UFPB


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