Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

“Explode coração”


02/12/2013

Foto: autor desconhecido.

Plenamente engajado no movimento político-estudantil de esquerda, quando o Brasil viveu sob o regime de uma ditadura militar, Gonzaguinha ficou conhecido como um compositor de músicas de protesto. A partir da segunda metade da década de 70 quando o país já marchava para sair daquele período negro da nossa história, ele iniciava a fase romântica da sua produção artística. Em 1977 lançou “Explode coração”, uma canção ainda tida como de protesto, mas que traz uma forte expressão romântica, com ênfase sensual. O compositor incorpora uma personagem feminina que decide expor sua decisão de entregar-se por completo a um amor até então não declarado.

“Chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder/O que não dá mais pra ocultar e eu não posso mais calar”. Chegou ao limite da tolerância o seu silêncio em relação à paixão que tomava conta do seu coração. Não tem mais como se manter disfarçando seus sentimentos, reprimindo seus desejos, escondendo seu amor. É hora de gritar o que sente.

“Já que o brilho desse olhar foi traidor/E entregou o que você tentou conter/O que você não quis desabafar e me cortou”. Ao perceber que essa paixão era recíproca denunciada pelo “brilho traidor do olhar” do enamorado, decide tomar a iniciativa. Os olhos não conseguem mentir, eles mandam mensagens que mil palavras não conseguem exprimir. Se ele não quis ou não teve coragem de desabafar, ela resolve agir.

“Chega de temer, chorar, sorrir, sofrer, se dar/E se perder e se achar e tudo aquilo que é viver/ Eu quero mais é me abrir e que essa vida entre assim”. Um amor vivido no silêncio, sem se declarar, provoca muitos sentimentos de alegria e de tristeza, de sonhos e de incertezas, de doação e de privações. Precisa viver intensamente essa paixão. O caminho é “se abrir”, encerrar o tempo da paixão secreta.

“Como se fosse o sol desvirginando a madrugada/Quero sentir a dor desta manhã”. “Desvirginando a madrugada” é a imagem construída pelo compositor para realçar o êxtase do prazer que essa declaração de amor proporciona. A presumível dor do desvirginamento associado ao intenso deleite da conquista tão almejada. A “madrugada” transforma-se em “manhã”, com o sol dando brilho novo à sua vida.

“Nascendo, rompendo, rasgando, tomando meu corpo e então eu/Chorando, sofrendo, gostando, adorando, gritando”. Continua traduzindo todas as emoções, desse “desvirginamento”, que tomam conta do seu corpo numa profunda compreensão desse ápice momento de sensualidade. Rasga-se a cortina expondo o que estava oculto. Surge com força uma verdade que teimava em se manter escondida. O instante é de pleno gozo, sensação de posse, extremo prazer.

“Feito louca, alucinada e criança/Sentindo meu amor se derramando/Não dá mais pra segurar, explode coração”. É como se, de repente, estivesse em delírio, com alucinações, perdendo o senso da razão. Mas isso é consequência desse amor quem enfim “se derrama” e se manifesta de forma completa fazendo explodir o coração, porque não “dá mais pra segurar”.

• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.

 


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.