Geral
“Eterno aprendiz”
18/12/2013
Foto: autor desconhecido.
Gonzaguinha não nos deixou, na sua produção musical, apenas canções de contestação ao regime militar nos anos sessenta, quando se tornou um aguerrido militante dos movimentos de protesto contra a ditadura, mas nos brindou com lindas composições que falam de amor e da vida. Em 1982 gravou “Eterno aprendiz”, ou “O que, o que é?”, uma mensagem de intenso teor filosófico sobre o prazer de viver.
“Eu fico com a pureza/Da resposta das crianças/É a vida, é bonita/E é bonita”. As crianças nos surpreendem com respostas que jamais imaginávamos que elas fossem capazes de nos oferecer. Talvez seja uma forma de manifestação para Deus nos ensinar coisas que na nossa presumida sapiência, nunca nos advertimos de observar. A inocência infantil permite enxergar a vida com muito mais beleza. Por isso Gonzaguinha começa sua composição nos chamando a atenção para os ensinamentos, aparentemente ingênuos, que nos possam conceder um pensamento que parte de uma criança.
“Viver!/E não ter a vergonha/De ser feliz/Cantar e cantar e cantar/A beleza de ser /Um eterno aprendiz”. Ser feliz é um estado de espírito que se revela a partir da consciência de que tudo o que acontece no nosso dia tem um propósito, e devemos aproveitar bem essa lição que nos é ofertada, positiva ou negativa. Sem lamentações, mas cantando a glória de estar vivo. Reconhecer que somos “eternos aprendizes”, e disso precisamos tirar o melhor proveito.
“Ah meu Deus!/Eu sei, eu sei/Que a vida devia ser/Bem melhor e será/Mas isso não impede/ Que eu repita/É bonita, é bonita /E é bonita”. Não fazer das circunstanciais dificuldades e intempéries da vida motivos de abatimento. Acreditar que os momentos de obstáculos, contrariedades, são passageiros, e que a vida “será bem melhor”. Então jamais se desviar da confiança de um amanhã mais alegre e feliz.
“E a vida?/E a vida o que é?/Diga lá meu irmão/Ela é a batida/De um coração/Ela é uma doce ilusão/Hê! Hô!”. Gonzaguinha questiona: “o que é a vida?”. E ele próprio responde de forma simples: “é a batida de um coração”. Enquanto Deus permitir que o nosso coração continue batendo devemos sonhar, alimentar ilusões e irmos em busca da realização de tudo aquilo que desejamos. Essa é a essência da vida, construir nosso próprio destino.
“Mas e a vida/Ela é maravida/Ou é sofrimento?/Ela é alegria/Ou lamento?/O que é? O que é? Meu irmão”. Coloca as duas situações contrárias: maravilha (que faz um trocadilho escrevendo “maravida”) e sofrimento; alegria e lamento. Afinal o que é? As duas coisas, em momentos, uns mais duradouros do que outros, mas ambos que nos proporcionam condições de aprendizado.
“Há quem fale /Que a vida da gente/É um nada no mundo/É uma gota, é um tempo/Que nem dá um segundo”. Tem pessoas que não sabem valorizar a vida, e a desprezam, desperdiçam as oportunidades, estragam o prazer, o deleite e a jovialidade que ela nos proporciona. Assim, realmente a vida “é uma gota, um tempo que nem dá um segundo”, porque está sendo mal aproveitada.
“Há quem fale/ Que é um divino /Mistério profundo/É o sopro do criador/Numa atitude repleta de amor”. Nestes versos Gonzaguinha exalta a providência divina como produtora desse milagre que é a vida. Deus, que é pleno de amor, nos concede a graça de viver. É um mistério que não nos cabe revelar, apenas agradecer que sejamos beneficiários dessa concessão do arquiteto do universo.
“Eu só sei que confio na moça/E na moça eu ponho a força da fé/Somos nós que fazemos a vida/Como der, ou puder, ou quiser”. A vida não envelhece; quem se torna velho é o corpo, por isso ele a chama de “moça”. E “põe a força da fé” na convicção de que muito tem o que aprender e viver. Deus nos dá o sopro da vida e cabe a cada um de nós,vivê-la em toda a sua plenitude “como der, puder ou quiser”.
“E a pergunta roda/E a cabeça agita/Fico com a pureza/Da resposta das crianças/É bonita, é bonita/E é bonita”. Gonzaguinha volta lembrar que as perguntas sem respostas que costumamos nos fazer, agitando nossas cabeças, muitas vezes são encontradas no que falam as crianças. Sem essa preocupação de procurar explicações em tudo terminamos por nos tornarmos mais felizes.
*Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.
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