Geral
“Esquadros”
30/10/2013
Foto: autor desconhecido.
Adriana Calcanhoto ao compor essa música em 1991, assume corajosamente a sua homossexualidade e questiona o preconceito social diante dessa condição. Numa letra cheia de interrogações, que permite várias interpretações, ela dá seu grito de protesto contra os paradigmas impostos pela sociedade. “Esquadros” é um hino à liberdade sexual, é um poema crítico das posturas hipócritas dos que condenam a homossexualidade ou a bissexualidade.
“Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores/que eu não sei o nome/cores de Almodóvar/cores de Frida Kahlo/cores!”. As cores marcam as diferenças e Adriana usa isso como forma de procurar os que não se ajustam aos padrões sociais no comportamento sexual. Vai buscar no exemplo do cineasta espanhol Pedro Almodóvar e da pintora mexicana Frida Kahlo, para definir as cores de ambos, o primeiro homossexual declarado e a segunda bissexual afirmada publicamente. Não precisa dar nome às cores, basta compreendê-las e aceitá-las.
“Passeio pelo escuro, eu presto muita atenção/no que meu irmão ouve/e como uma segunda pele, uma casca, uma cápsula protetora/Ai, eu quero chegar antes para sinalizar/o estar de cada coisa/filtrar seus graus”. Nessa estrofe ela volta sua preocupação de como seu irmão ver o mundo. Revela seu medo de que ele não saiba entender bem o que acontece à sua volta. E se posiciona para protegê-lo, “uma segunda pele, uma casca, uma cápsula protetora”, na tentativa de “filtrar” as influências. Por isso ela quer “chegar antes”, adverti-lo do “estar de cada coisa”. Tentar fazer com que ele fique imune às maldades do mundo.
“Eu ando pelo mundo, divertindo gente/chorando ao telefone/e vendo doer a fome nos meninos que têm fome”. Coloca sua arte como algo que diverte as pessoas e ela percorre o mundo fazendo isso. Mas é humana, ao tempo em que canta nos palcos, também chora ao telefone, por emoções, sentimentos pessoais, mas também por se penalizar com as crianças que perambulam pelas ruas com fome. Sai do tema “liberação sexual” para a crítica às desigualdades sociais. Sempre em censura às diferenças.
“Pela janela do quarto, pela janela do carro/pela tela, pela janela/quem é ela? Quem é ela?/eu vejo tudo enquadrado, controle remoto”. Faz a pergunta a si mesma: “quem é ela?”. Procura se reconhecer. Mas se vê “enquadrada”, nas regras ditadas pelo conservadorismo, nas normas definidas por concepções egoístas de posturas que se ajustam aos padrões dessa sociedade dissimulada. E quer um controle remoto, onde possa fazer suas escolhas com um simples apertar de botão, definir suas preferências e se negar a ver o que não concorda.
“Eu ando pelo mundo, e os automóveis correm para que?/As crianças correm para onde?/Transito entre dois lados/De um lado eu gosto de opostos/expondo meu lado, me mostro/ eu canto para quem?”. Carros em velocidade figurativamente fazem lembrar que as pessoas correm sem se aperceberem do que está acontecendo com seus semelhantes. Quando pergunta para onde correm as crianças, ela manifesta sua preocupação com a indiferença com que a própria sociedade trata o futuro delas. Novamente a crítica social e política. “Transito dos dois lados”, volta a afirmar sua divergência da maioria. Numa hora está entre os que recriminam seu comportamento sexual, de outro está entre os seus iguais, defendendo uma bandeira ainda muito polêmica. Mas afinal de contas se questiona: canta pra quem?
“Eu ando pelo mundo, e meus amigos cadê?/Minha alegria, meu cansaço/ meu amor, cadê você?/Eu acordei, não tem ninguém ao meu lado”. A sensação de abandono, dos amigos, dos que eventualmente lhe dão alegria e dos que a deixam cansada. Mas a solidão se torna mais incômoda quando percebe que ao seu lado não tem ninguém, e se sente abandonada até por seu amor.
*Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”
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