Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Em Sintonia com a Felicidade


26/10/2010

Foto: autor desconhecido.

 Desejo a você…./fruto do mato/cheiro de mato…/domingo sem chuva/chope com amigos/viver sem inimigos/filme antigo na TV/ter uma pessoa especial/ter uma surpresa agradável/ouvir o canto de passarinho/escrever um poema de Amor/queijo com goiabada/uma festa/um violão/ uma seresta;recordar um amor antigo/bater palmas de alegria/caçar um velho chinelo/ouvir a chuva no telhado/vinho branco/Bolero de Ravel/e o carinho meu. (Síntese da Felicidade, Drummond)

Felicidade Demais, é o título do novo livro da escritora canadense Alice Munro, quem eu já há muito queria conhecer. Livro de contos que fala de personagens que são “guiadas pelo talento, pelo acaso e por promessas de felicidade intensa.” E de como determinados momentos, fazem disparar o botão de êxtase concentrado, que muitos chamam de felicidade.

Katherine Mansfield escreveu Bliss, que foi traduzido como Felicidade, mas Ana Cristina César (poetisa brasileira), em suas notas (escreveu tese de mestrado sobre 80 notas de tradução sobre o conto), re-avalia se não seria êxtase, a melhor palavra para traduzir Bliss, pelo menos nessa estória que fala paradoxalmente de um momento único e tão pouco extraordinário ao mesmo tempo. Aquele momento, em que olhamos pela janela e a vida parece resplandecente. Nessa estória em particular, contemplar uma pereira florida, é o que melhor representa esse estado de iluminação ou epifania.

E quando estamos com um tema na cabeça, só se pensa nele. Nesses últimos dias estive concentrada na felicidade. Que Marrravilha! Numa semana às vésperas das eleições presidenciais, locais, sei que o tema é outro. Até parece exclusão estar falando de ser feliz, mas acho que votar alegremente é mais saudável, e, ao me deparar com tantos debates, mau humor, e também de tantas vivências interessantes, a sincronicidade da vida se encarregou do resto….E como não sou cientista política, escolhi esse tema tão premente à condição humana, à minha em particular.

Que venha a felicidade, já que uma vez, quando fazia reforma na casa, só pensava em pedreiro e tinta, e nas Lojas Amarelinho. O meu olhar e foco só iam em direção dos muros, janelas, cores das casas, ângulos, enfim…Ainda bem que saí do concreto e agora estou no campo do sutil, a felicidade, tema que sempre me inquietou, uma vez que temos pouco, procuramos muito e quando a vivemos , por vezes não nos damos conta de que já estamos com a própria felicidade, saltitante à nossa volta, como fala o personagem de Mrs. Dalloway (Meryl Streep) para sua filha Julia (Claire Danes), em As Horas, sobre o momento que vivia o seu romance com o poeta Richard, em WeelFleet. Clarissa Dalloway conta que se enganou ao pensar que ali estava o começo do que ela chamou de Felicidade, pois ali, era a própria Felicidade – era O Momento!

Eis que abro uma revista há algumas semanas, e me deparo com a notícia de que um homem de 84 anos se casa com mulher de 91, reativando antiga paixão. Dona Nhanhá, não era uma noiva comum, pois tinha até um trineto, alguns bisnetos, netos, enfim… Algo que só cabia na conta de alguém com tal idade. O sucesso da festa foi a sogra com 104 anos. Depois da viuvez de ambos, pensaram em não aprender a ser só, contrariando Paulo Sérgio do Vale e todo o início da bossa nova. No começo do alvoroço do namoro, Nhanhá retrucou que não agüentava mais cozinhar para muita gente, e que não era mercadoria, para ficarem decidindo a vida por ela. Mas o noivo não se importou, pois achava a noiva divertida e obediente (?). Mas Nhánhá reclamou do beijo do casamento, como sendo mixuruca. Como se não bastasse, o noivo, quando ganhou uma lua de mel de presente, ainda mostrou-se surpreso: “Pra quê? Nem abelha tem mais!” A estória desse encontro e da forma como enfrentaram o amor mais que tardio, me encheu de esperanças com o fato de que sempre é hora para qualquer coisa. Até para o amor.

Martha Medeiros escreveu “A massacrante Felicidade dos outros”, e falou da angústia e desse sentimento de que algo está acontecendo em algum lugar para o qual não fomos convidadas. E conclui dizendo que essas festas do outro, são frutos da nossa imaginação que é infectada por falsos holofotes.

Li também uma entrevista sobre os segredos das mulheres francesas (O Que as Mulheres Francesas Sabem), mulheres que antes de procurar a tal da felicidade, preferem se afirmar como donas do seu próprio charme, poder e sex appeal. Para as mulheres francesas a inteligência é sensual. Coisa que aqui….veja o caso das fotos de Fernanda Young na Playboy, que eu particularmente amei, mas que vendeu pouco. Os homens gostam mesmo é de Cléo Pires! Baixinha, entroncadinha, mas de olhar com furor sexual. Fernanda é irônica e tem humor mordaz. Não vende! As francesas dão valor à experiência, mais que o desfecho, diz a autora. E preferem reciprocidade e complementaridade, mais que igualitarismo. Abraçam às contradições e podem ser femininas e feministas, sensuais e tradicionais, clássicas e libertinas, submissas e fortes, compatíveis e desafiadoras, finaliza a entrevista. Eu mesma, quero ir para à França!

A Revista de aniversário de Joyce Pascowitch (Outubro), também traz uma matéria sobre Felicidade no mundo globalizado, fazendo perguntas como: fazer plástica ou manter as linhas do tempo; trabalhar ou se aposentar; ter um filho ou virar chefe; convivência ou solidão; carreira ou tempo livre; ter um piti ou ficar zen, enfim ser ou não ser feliz? Como se tivéssemos tal poder. Escolher eis a questão! Mas acredito tanto que não temos tanto poder assim, e a vida é tão complexa, que tem uns Se no meio do caminho, que nem D. Nhánhá dá conta. A tal da imponderabilidade. Lembro dos romances de Henry James, adaptados para o cinema , mas especificamente: Retrato de Uma Mulher e Asas do Amor (Portrait of a Woman, e Wings of the Dove), onde a palavra estoicismo se faz presente, bem menos que em Thomas Hardy e sua Tess D´Urberville, é bem verdade, mas ainda assim, tão presente na insustentável leveza do ser.

E como as deusas felizes estavam a postos, ainda me caiu na rede uma crônica de Eliane Brum, Nada é Bom, (Revista Época, da semana) onde ela cita os personagens de Arnaldo Jabor, e o seu mais recente e elogiado filme, e qual o título? A Suprema Felicidade! E viva a sintonia! “Ninguém é feliz. Com sorte , a gente é alegre”; Para viver, o que nos interessa não são os pontos finais, mas as vírgulas. Os acontecimentos do meio, o enredo entre o primeiro parágrafo e o último”. São algumas das falas ditas pelo personagem de Marco Nanini no filme, recortados na crônica. Lembrei de que é o caminho/o percurso de que é feito a vida. E Brum discute: “Acho que a grande causa atual de infelicidade é a exigência da felicidade. É o descolamento do lugar da felicidade para o centro da vida, como um fim a ser alcançado e a medida de uma existência que valha a pena…A idéia de felicidade como um fim em si mesmo encobre e desbota tanto a delicadeza quanto a grandeza do que vivemos hoje, faz com que olhemos para nossas pequenas conquistas, nossos amores nem sempre tão grandiloqüentes, nosso trabalho às vezes chato, como se fosse pouco. Há uma crença coletiva e alimentada pelo mundo do consumo afirmando que tudo deveria ser só bom. E se não é só bom é porque fracassamos. Deixamos então de enxergar a beleza de nosso amor imperfeito, de nossa família imperfeita, de nosso trabalho imperfeito, de nosso corpo imperfeito, de nossos dentes imperfeitos e….de nossos dias imperfeitos. Escolher como olhamos para nossa vida é um ato profundo de liberdade que temos descartado em troca de propaganda enganosa.”

E mais adiante Brum ainda faz o contraponto entre ser feliz e desejar. Para ela a pergunta: “Você é feliz?”, deveria ser substituída por: “Você deseja?”. E complementa: “Desejar é o contato permanente com o buraco, com a falta, com a impossibilidade de ser completo. Desejar é o que une o homem à sua vida. Une pela falta. Tem mais a ver com um estado permanente de insatisfação. Não a insatisfação que paralisa, aquela causada pela impossibilidade da felicidade absoluta; mas a insatisfação que nos coloca em movimento, carregando tudo o que somos em busca permanente de sentido. Desejar é estar sempre no caminho, conscientes de que o fim não importa. O fim já está dado, o resto tudo é possibilidade.”

Mas, eis que o meu estado de alerta para com a felicidade, fez com que o meu olhar cruzasse com um lançamento de um livro Vôo Livre, onde uma dona de casa, aos 56 anos e depois de ter cuidado de marido 6 filhos, e arrumado muiiiiiiiiita escova de dente, e sem reconhecimento, chuta o balde e vai de mochila para à Inglaterra aprender Inglês. Hoje, aos 80 e com a ajuda do filho mais velho, lança seu livro de memórias, como forma de resistência e ainda dar um banho de sabedoria aqueles que numa postura opressora ainda lá do século XIX das Madwomen in the Attics! (numa referência à bíblia de Sandra Gilbert e Susan Gubar) a chamaram de louca. D. Ignez Baptistella, lavou pratos, foi babá, e falou do tempo com as velhinhas londrinas, mas encontrou-se principalmente consigo própria, já que há tanto tempo vivia escondida numa vida que não era nada sua. Eu, já comprei o livro, estou com a xerox sobre as mulheres francesas, e mesmo sabendo que, A Felicidade não se Compra, quem quiser me achar que: Corra Lola Corra!

E domingo, nas eleições, torcerei para termos a primeira mulher presidente do Brasil!
Sem medo de ser feliz! E cantarolando Roberto Carlos: A Felicidade até existe…!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 23 de outubro, 2010


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