Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Elis – Upa Neguinha!


30/11/2016

Foto: autor desconhecido.

Você não sente nem vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
E o que há algum tempo era jovem novo
Hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer

(Belchior –Velha Roupa Colorida)

Nos cinemas, Elis, novo filme do diretor Hugo Prata, fazendo um recorte da vida da consagrada cantora de MPB, que encantou a todos com Fascinação, Como nossos pais, e Águas de Março, só para citar algumas das canções que até hoje cantarolamos emocionados quando o assunto é música brasileira.

O filme faz sim um recorte do trajeto dessa pequena pimenta, chegando à cidade maravilhosa na década de sessenta, com um riso solto (com a gengiva aparecendo) e uma voz imensa, e uma determinação a fazer sucesso, não importasse o que teria que vencer ou quebrar – convenções e long plays (numa cena de raiva do seu marido Ronaldo Boscoli, quando descobre uma de suas muitas traições, Elis pergunta: “ Já viu disco voador? Pois vai ver agora!” e avoa toda a coleção tesouro do marido pela janela.)

Como se trata de um recorte, saímos sempre com a sensação de que faltou algo. Como já disseram: faltou explorar mais sua amizade com Tom Jobim e Vinicius de Morais; sua fama incontrolável em tantos sucessos, etc e tal. Uma vida não cabe em um filme! E o diretor opta por contar do início da sua carreira; seus casamentos, casas e filhos; experiência com a ditadura – seus medos e até submissões tão criticadas.

A atriz Andreia Horta faz espetacularmente Elis. E como ela mesma disse: não poderia ser Elis. Era uma atriz interpretando um mito e com todas as minhas limitações. Mas Andreia já tem de cara o physique du rôle e as limitações foram muito bem superadas pelo trabalho de gesto, de corpo de mise-en-scene. A risada, os dentes, o bocão, os braços balançando, as raivas, a pimenta. Lane Dale (Júlio Andrade)! – nem lembrava mais dele! Faz esse trabalho no texto fílmico, e é quem primeiro faz a performance/navegando da tão famosa Arrastão.

O filme me trouxe informações importantes sobre sua vida. Uma guerreira, determinada que sabia o que queria, seus encontros afetivos e amorosos com Miéle, Bôscoli, Nelson Motta, Cesar Camargo Mariano e Atrás da Porta. Upa Neguinho e Jair Rodrigues. Henfil! E o Bêbado e a Equilibrista. Os militares e Madalena – adorava cantar e nunca soube do fato dela com medo dos medos. Nara e a crítica à figura “desmilinguida” e sua não voz do barquinho. Como se fumava naquela época! Lembrei do Long Play – O Fino da Bossa , que ouvia todo dia e sabia de cor de cabo a rabo- O morro não tem vez,…acender a vela…!

Cantei no cinema. Chorei no cinema. Elis, por quem chorei tanto quando se foi. Estava eu fragilizada no início dos 80´s ! Tão simplista dizer que morreu de overdose! Era intensa. Se angustiava com o momento. Mãe amorosa – Maria Rita, Rita Lee! Bebia Whisky. Muito. Chorava e não encontrava seu canto. Fascinação! Queria saber o que as Baianas tinham? Gaúcha. Miúda. Desconhecida. Você não sabe não vê quem não é meu amigo! Somos jovens! Cantei muito no Edifício Gravatá. Ai! se meu apartamento falasse! Assisti a dois shows de Elis. Um deles no Cine Municipal que virou palco. Eterno Brilhante. Brilhamos todos assistindo Elis com tanta propriedade e tanta voz. Queria cantar. Era uma intérprete. Queria liberdade de não fazer arte engajada. Todos deveríamos ter. Mas talvez sem nem saber, fez. Chamou os milicos de gorilas em Paris. Seu bêbado virou hino da Anistia. Fez as pazes com Henfil. Solitária nas suas lindas casas. Bôscoli um galinha assumido que não queria brincar de casinha, filhinho….César, calmo, virtuose, ponderado, com uma casa no campo, não aguentava tanta angustia e whisky. Ah! Essas mulheres artistas. Como é difícil conciliar vida doméstica e vida artística – hein Sylvia Plath?

Saí do cinema com tantas saudades. De Elis, das canções, da minha vida, de um tempo, de tantas coisas…..Ah! só eu sei, tanto amor, eu lhe dei!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 28 de novembro,2016


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