Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Domésticas


02/04/2013

Foto: autor desconhecido.

Não se falou em outra coisa nos últimos dias : a nova lei, aprovada hoje no Congresso que estabelece os direitos das empregadas domésticas. Uma revisão histórica dessa classe tão esquecida pelas leis e direitos. A Revista Veja tem na sua Capa um homem de avental lavando a louça e diz: “As novas regras trabalhistas das empregadas são um marco civilizatório para o Brasil – e um sinal de que em breve as tarefas domésticas serão divididas entre toda a família”. Igualmente a revista Época, traz um espanador com suas penas espalhando o pó da faxina das leis…

Vivi num tempo em que empregada doméstica dormia no quarto dos fundos e trabalhava de sol a sol. Tinha-se cozinheira, copeira e lavadeira. Mas, minha mãe nunca gostou de gente fazendo as coisas para ela, então nunca tínhamos e nem podíamos, as três, e elas também não duravam muito. Houve uma época, e ainda hoje que, que as mulheres eram programadas para se sentirem a Rainha do Lar, na falta de outro posto, e tudo o que ameaçasse esse lugar, era desprezado. As empregadas domésticas, eram necessárias, mas vistas como cidadãs de segunda classe. Nenhuma outra profissão ou trabalho vinha com tanta carga de significados negativos como essa.

E nessa vida já vi de um tudo: empregada comendo na mesa, nos fundos, boa gente, brava gente, parceiras, inimigas, solidárias, até carro da polícia na porta, empregada com furtos na mala, tomando pinga às escondidas; trazendo namorado para casa; fazendo aborto; chorando, sorrindo, tudo. Já vi patrões que assediavam as empregadas quando bicavam uma cerveja; as patroas fazendo vista grossa e a perguntarem se eram limpinhas; de boa índole…etc e tal.

Quando chegou minha vez de ser patroa, não gostei. E gostei. Pensem numa ambiguidade conflitante. Minha razão consciente da história, da escravidão, do feminismo, não queria uma estranha a me servir. Por outro lado, minha comodidade e minhas dificuldades com o doméstico, dependiam da classe. E sempre fechei os olhos para tudo, contanto que tivesse uma pessoa de responsabilidade para fazer meu tempo render mais e meu humor estar sempre mais apaziguado com a louça na pia.

A primeira secretária que tive, foi quando eu saí de casa para casar, eu tinha 19 anos, e ela se chamava Mocinha. E comigo ficou 8 anos. Juntas crescemos. Mocinha saiu também para casar. Morava comigo e cuidava da minha casa e da minha mesa. Era uma delicadeza de pessoa e até hoje sinto saudades. Tive poucas serviçais, e sempre soube ensinar o serviço!!! Tentava fazer uma troca. Mas nunca tive a hipocrisia de considerá-las da família. Sabia que não eram. Mas tentava uma negociação amigável, e para isso, respeitava seus dias de cólicas, suas idiossincrasias, seus descansos. Mas, também devo de ter feito ou dito meus horrores, pois também tinha meus dias de cólicas, minhas idiossincrasias, e meus espantos!

Sempre invejei as mulheres que se organizam para que não precisem dessa profissional. Famílias onde todos participam; onde a dona de casa é prática e sabe temperar bifes na véspera, ou fazer bolinhos de chuva. Eu não sei fazer isso. E só dou conta de uma coisa. Ou bem dou aula sobre Virginia Woolf ou boto o lixo lá fora. Aliás, mais trabalhoso que faxinar e passar roupa são os trabalhos periféricos: encher garrafas, lavar balde de lixo, organizar a despensa, a geladeira, se livrar dos restos, e organizar. Sou péssima nesse quesito. E para mim, uma das grandes felicidades da vida, era quando eu tinha uma faxineira maravilhosa, chamada Zezé, e quando eu chegava em casa na sexta à tarde e minha casa cheirava a pinho sol, e tudo parecia lindo e organizado. E limpo. Hoje, por mais que limpe, nunca mais tive esse prazer, pois os troços aumentaram; os livros entulharam; as muriçocas se proliferaram; a família cresceu; eu fiquei mais velha e mais acomodada; e no meu tempo livre, tenho sempre outras prioridades. Ufa!

Sempre me senti na derrota por não ter sabido conscientizar meus filhos homens como deveria. Já escrevi sobre isso diversas vezes, como também já homenageei minhas secretárias nas figuras de Raimunda (Raimunda) , Zezé (Roupas no Varal)e da Paz(Da Paz) . Interessante que sempre era por ocasião do dia 8 de março, dia internacional da mulher. E ninguém melhor que a empregada doméstica para representar uma mulher- heroína, não no sentido de mulher-maravilha, mas de uma mulher subjugada por ambos os sexos e por todos os pderes públicos e/ou privados. São mulheres que sempre tiveram uma vida mais que sofrida; uma jornada multiplicada 10 vezes; nenhuma admiração, cuidado ou respeito. Sofrem, envelhecem, se acabam, são abandonadas pelos seus homens, tem uma ruma de filhos e adoecem. E as patroas, sempre, por décadas, sempre a falarem do quanto trabalham pouco, do quanto são insolentes e respondem; como são abusadas, e dormem no ponto e no serviço. E quando são aceitas, são sempre sob o manto da submissão e nunca do profissionalismo. Claro que isso virou uma faca de vários gumes, e não tem lei que conserte uma construção cultural dos tempos dos navios negreiros. Mas, com as novas leis, se espera que, com tempo e ajustes, possamos mudar de lugar, as empregadas, e nós as patroas.

Não sei o que será das mães brasileiras daqui para frente, quando tantos outros setores ainda estão por resolver: creches, compartilhar da família, do marido, horário de trabalho mais flexivo. Mas, o que acho talvez mais difícil, se compararmos com outros países, no caso da Europa, são os hábitos. Na Inglaterra por exemplo, as casas com suas Bay Windows e tudo vedado, não entra poeira e as donas de casa passam aspirador de pó uma vez por semana. E como sabem que não contam com ninguém, tão pouco tem essa mania de limpeza de nós dos trópicos. Minha casa no Bessa, tem que passar o pano todo dia. Poeira, ruas não calçadas até o carnaval…, folhas, calor e janelas abertas. E Quanto à comida? Lá, o pessoal almoça sandwich uma saladinha. À noite um prato quente único. E os bifes , um para cada um. Tudo pouco. Almoço no sábado? Não pensem que é cozido! Mas uns pães, pastas, saladas e ponto. O Sunday Lunch? , um roast e ponto! Aqui? Feijão , arroz, farofa, salada e dois tipos de carne ou frango ou peixe!!! E arrumadinho, escondidinho , purezinho, molhinho, etc e tal.

Também ajuda a água quente na torneira! Máquina de lavar prato! Fogão e freezer de última geração. Cozinha de forno e fogão! E como se come pouco! As francesas que o digam! Sempre! Tudo isso influencia e respinga no trabalho doméstico. Fico vendo a minha vida , com uma doméstica em casa e me multiplico em centopeia ainda: faço compras, abasteço, pago contas, resolvo as coisas da casa- encanador, eletricista, pedreiro; aniversários, questões familiares, roupas, organização da casa,, lixo, jardineiro, podas, Emlur , Semob, Setur!!!! Tudo tudinho! E tenho que dar conta de poesia, literatura, mulheres, alunos, reuniões, Bancas, Mesas, Estágios, crônicas, lundus, problemas pequenos, médios e gigantes. Ufa!

Acho que a curto prazo, muitas empregadas vão perder o emprego. E vão-se encontrar saídas não muito dignas. O tal jeitinho. Mas a longo prazo, é uma dívida histórica que se paga, e que, esse trabalho seja cada vez mais reconhecido e aprimorado.

Agora, vou poder exigir da minha que, não fale tanto ao celular; não vista tantas roupas curtas para vir ao trabalho, e que não ouça tantas músicas, digamos assim….difíceis aos ouvidos! Mas a minha prontidão está a postos para os novos tempos que já chegaram.

Meninos da casa: Mãos à obra!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 2 de abril de 2013
 


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