Paulo Amilton

Doutor em Economia.

Economia

Do Capitalismo Liberal ao Capitalismo Ilibiral: A Revolta dos Ressentidos


06/08/2025

O economista e colunista britânico Martin Wolf, autor de The Crisis of Democratic Capitalism.

A ciência econômica era nos seus primórdios conhecida como economia política, pois os economistas originais achavam que a economia estava intimamente ligada à organização política de uma sociedade. No século XX os economistas passaram a focar em aspectos mais teóricos e abstratos, quase sempre desvinculados das questões políticas. Porém, não se consegue entender o estabelecimento, e suas consequências, de uma decisão econômica sem levar em consideração o ambiente político e o contexto histórico que implicaram na sua adoção. É impossível entender os motivos da adoção do Trumpismo nos EUA e do Bolsonarismo no Brasil sem levar em consideração o contexto histórico que as sociedades mundiais estão passando.

Seguindo o raciocínio de Martin Wolf em “The Crisis of Democratic Capitalism”, o mundo está migrando de um capitalismo liberal para um regido pelo capitalismo iliberal. No primeiro temos claramente uma sociedade regida por regras democráticas, como alternância no poder executivo através de eleições periódicas e na independência dos poderes legislativo, judiciário e executivo, como preconizou Montesquieu em “O Espírito das Leis” de 1748.

No entanto, em vários países esta forma política de gerir as sociedades vem sofrendo contestação. Procura-se desacreditar a forma de como as eleições se realizam, combate-se a independência do poder judiciário, alegando que está se tornando uma ditadura de toga. A impressa, quando não diz o que querem, é acusada de ser comprada. E por aí vai. No fundo o Trumpismo e o Bolsonarismo defendem a troca da suposta ditadura de toga por uma ditadura do executivo. De preferência com Trump e um Bolsonaro como ditadores.

A pergunta que surge é: qual o evento histórico está na raiz desta mudança de visão? Seguindo Martin Wolf, a origem é o evento na China denominado de Massacre da Praça da Paz Celestial. Em junho de 1989 houve um movimento na China exigindo maior liberdade de impressa e de organização política, ou seja, uma democracia do tipo proposto por Montesquieu. O partido comunista reagiu de forma muito forte, prendendo uma vasta quantidade de pessoas.

O mundo se colocou a pensar em como ajudar a transformar a China em uma democracia parecida com as congêneres ocidentais. No mesmo ano de 1989, no mês de novembro e na cidade de Washington se proclamou 10 recomendações, denominadas de consenso de Washington, que teve uma das consequências a transformação da China na fábrica do mundo. Achava-se que levar o capitalismo para a China seria a melhor forma de transformá-la numa sociedade democrática, pois o capitalismo estava intimamente ligado a democracia.

Porém, isto não aconteceu. A China abraçou o capitalismo com gosto, tanto que seu líder, Deng Xiaoping, afirmou “não importa a cor do gato, desde que cace o rato”. A China virou uma máquina de produzir riqueza. Mas inexiste sindicatos, é um regime político de partido único, não existem eleições, o judiciário é refém do que o executivo estabelece e a impressa é estatal. Mas é um capitalismo, só que iliberal e com uma taxa de crescimento econômico e criação de riqueza raramente vista na história.

Já a consequência para as economias de outros países foi inversa. Muitos setores da economia se transferiram para a China, gerando perdas de dinamismo econômico, empregos e riqueza. Isto criou um contingente enorme de ressentidos. Estes passaram a ver a forma de organização política da China como um exemplo a ser seguido e a partir daí procuraram trocar seus regimes políticos por um mais parecido com o Chinês.

Nos EUA os ressentidos são todos aqueles que viram seus empregos migrarem para a China, principalmente aqueles ligados ao cinturão da ferrugem, sendo o estado de Michigan e a cidade de Detroit os exemplos mais notórios. Detroit era a cidade dos automóveis, pois as três grandes produtoras de carros tinham suas sedes lá. Hoje é uma cidade falida. O Trumpismo representa esses ressentidos.

No Brasil fenômeno idêntico se repete. Os ressentidos querem a volta das benesses que tinham na época da ditadura militar. A classe média quer novamente um BNH (Banco Nacional da Habitação) para financiar suas casas a taxas de juros subsidiadas. Os agricultores os empréstimos nunca pagos concedidos pelos bancos públicos, quem não se lembra do saudoso PARAIBAN. Os industriais querem de volta a taxa de longo prazo do BNDES. O Bolsonarismo representa esses ressentidos brasileiros, com o discurso de que combatem a corrupção, como se em regimes autoritários tal fenômeno não acontecesse.

Enfim, aqueles que acham que existe uma ditadura de toga querem, na verdade, uma ditadura do executivo, nos moldes da Chinesa, desde que recuperem seus privilégios. Eu chamo este movimento de “A REVOLTA DOS RESSENTIDOS”.


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