Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Saúde

Diminutivos


09/06/2022

Imagem ilustrativa*

Assistindo a um vídeo de uma senhora beirando 90 anos sobre a velhice e o envelhecer, ela constata que nessa fase da vida já se perdeu as referências, todo mundo já morreu e os vivos estão ocupados. Perde-se também os grupos sociais, diz ela, e cita o seu intitulado, grupo “semi-novas”, e de que as pessoas vão morrendo, mas é preciso renovar as amizades e de expandir os vários conteúdos: literatura, bate papo, natação. Há de se ter conhecimento também e estar sempre lendo e estudando e participando dos eventos. Estar atualizada. Conhecimentos abrangente. Conversar aumenta a autoestima! E isso é preciso.

Fiquei pensando nessa senhora tão sábia. Claro que lembrei da minha mãe que fez isso tudo antes e depois de ficar viúva aos 67 anos. Grupo da praia, dos concertos de música, do cinema, da caminhada, da calçadinha….Penso em mim também, que gosto de conversar e tenho sim, grupos de amigas de infância e das mais recentes. A gente releva muita coisa para ter uma inserção no afeto de quem já se conhece. Fazer amizade nessa altura da vida é difícil. Todos já têm as suas famílias, amigos, grupos e idiossincrasias. Quando se envelhece, há de ser ter muita humildade para reconhecer que tudo nessa vida passa. Inclusive nós. O auge já se foi longe. Falo do auge da juventude e dos 15 m de fama que todos tem na vida.

Sempre tive o olhar enviesado para as mulheres que não tinham vida própria e que, na velhice pegavam carona na vida dos filhos e netos. Uma questão muito cultural do Nordeste. Se falam todo dia, agregadas, passeios juntos a toda hora. Nem os filhos criam independência nem as mães voam para longe do ninho. Os pais? Lendo o jornal ou assistindo o futebol. Claro que, estou exagerando, pois a vida muda e a dinâmica do mundo e da sociedade também, com a graça de Deus. Hoje não critico mais, é uma forma de sobrevivência da velhice. E por falar em Deus, outras mulheres são religiosas, então na velhice, se dedicam mais ainda à hóstia consagrada, às missas, catecismo, trabalhos voluntários, etc. Outras, desportistas, continuam a jogar, nadar, correr e com isso criam os grupos de conversa, viagem e vinho. Há de se gostar de bicho e plantas também. Cuidar do jardim é essencial. E um miau e ou au au, faz a felicidade do mundo todo hoje. Invejo todos os que amam cachorros e gatos em casa. O que não é o meu caso. Gosto dos bichos na floresta. Não tenho esse desprendimento e dedicação.

Eu, que nem jogo nada, nem sou religiosa, e nem tenho uma vida grudada aos filhos e neta (embora ame vê-los e acarinha-los), fico a ver um pouco os navios. Sim, tenho conhecimento e embora já tenha perdido muita gente da minha geração, ainda tenho referências. E a sabedoria está no movimento das amizades. É preciso aceitar convites, convidar, estar atenta, regar os amigos, e ter uma vida interior apaziguada. E gostar de ficar em casa sozinha. A arte? Ajuda muito. Mas há de se saber fazer as coisas sozinha, pois eu que pensava, quando me aposentar vou ganhar os mundos, o mundo aumentou, junto com as guerras e a pandemia, e a disponibilidade também. A prontidão é tudo! Já dizia Hamlet. E ela nem sempre está ali esperando o seu momento.

Falam mal das redes sociais. Eu sou daquelas que uso e abuso. E na pandemia? Quando pude assistir à lives, shows, peças, acompanhar notícias e igualmente não me sentir tão só. Isso é fake? Acho que não. Mostro o melhor de mim? Claro! Quem gosta de lamento em público? Mas sou daquelas que sabe gemer as dores nas horas de precisão. Ultimamente tenho gemido no Pilates, na aula com personal e na fisioterapia. É minha gente o corpo envelhece, as articulações endurecem e a gente corre atrás.

Mais uma coisa que eu acrescentaria ao vídeo sobre envelhecer: parem de usar o diminutivo com os velhos! Diminutivo só no amor e nas alcovas. Fui ao oculista dia desses, e naquele exame preliminar, o técnico falou: “como vão esses olhinhos? Vamos ver esses olhinhos? Ponha aqui mais pertinho!”. Quase que respondia: “para te olhar melhor Sr. Doutorzinho”. Depois, no cardiologista, o médico: “chegue mais pertinho de mim, chegue”, vi que era respeitoso (em qualquer lugar do mundo poderia ser confundido por assédio), mas, por conta dos meus cabelos brancos, eu já estava no diminutivo…. Acho que vou pintar os cabelos!

Vou ali escutar o áudio da senhoria de novo para não esquecer o dever de casa!

Ana Adelaide Peixoto.


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //