Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Des-Pudor


22/09/2015

Foto: autor desconhecido.

Já falei muita merda aqui, mas por sorte, aos 0,5 segundo depois de postar, apaguei. Tenho um antivírus na cabeça que me põe em alerta. Nem só de convicções vivem as postagens. As inseguranças também. (André RicardoAguiar – no facebook)

A dor da gente não sai no jornal, já as delícias….Desde que comecei minhas visitas nas mídias digitais que, o facebook foi o que mais me identifiquei. O Twitter deixei para lá, O instagram também, e o facebook me deixa à vontade para botar minha cadeira na calçada e jogar conversa fora. E faço uso dele muito. Confesso que, as circunstâncias ajudaram; me pegou em momento difícil da vida, serviu de consolo, minimizou os espaços vazios, acalantou meu desespero, fez companhia nos sábados à noite desoladores, interagi, dialoguei, votei, discuti, troquei figurinhas, in box, até chamegos carinhosos de amizade. Tudo isso foi/é bálsamo.

Reconheço os limites, as vaidades, as exposições desse veículo. Mas não tenho pudor. Faço uso também da minha vaidade, da minha exposição e do meu despudor…Des-pudor também pode ser uma forma de se colocar no mundo. Já fazia isso nas crônicas escritas e agora da crônica diária por imagens na padaria, na praia, no almoço, no terraço, no bar, no cantinho ou sei lá. Divido com os ventos os ventos que me assopro. E me exibo! Falam que a vida no Face é só beleza e coisas agradáveis. Pois sim! Dividir dores e abusos, a gente divide já dentro de casa. E o ser humano não gosta muito dos lamentos. Quando posto fotos dos baús, não espero curtidas, likes ou comentários. Na verdade lanço as fotos no meu timeline para que eu registre, que eu recorde, que eu me recomponha e passeei pela linha da minha vida. Mas se curtem…tenho que agradecer e quase dizer: me perdoem por me exibir ou te perdoo por te traíres!

O mesmo acontece nas minhas crônicas. Na maioria das vezes, falo de mim, rio de mim, choro de mim – quase uma música sertaneja! Me tenho como assunto principal para depois me lançar ao redor da casa, do bairro, da cidade e alhures. De dentro para fora. Meu mergulho em ondas dissonantes. De ciclos e círculos que se propagam além mar.

Há algumas décadas que as mulheres tomaram a escrita para uma escrita de si. Falando em primeira pessoa, dando voz aos seus escritos. Como interessada, fui incorporando essas novas escritas, não como uma forma narcisista de ser, mas até como uma postura política de trazer assuntos dantes tabu, dantes silenciosos, dantes não ditos, à tona. Fazendo do pessoal o política, domesticamente. Não foi algo assim deliberando no início, mas depois, uma estratégia. Até mesmo na minha tese de doutorado, contrariando à escrita acadêmica, falei em primeira pessoa, me colocando muitas vezes num texto que deveria ser neutro. Aliás, esse é um dos pilares da Crítica Feminista = não existe discurso neutro!

E , ao longo desses anos, não somente como um estilo, mas muito mais como uma escrita de si, ou de mim, venho trazendo nos meus textos, problemáticas pessoais, mas que abrangem outras esferas. Falando do meu cotidiano , falo das mulheres; falando da ida ao ginecologista, falo de tantas outras esperas; falando de perdas, de amor, de Juca (falo de uma dor maior), de filhos (das armadilhas da maternidade), de irmãs (de sisterhood), de trabalho, de competição, e de empregada (falei de Raimunda, Neves, Da Paz), falo das minhas limitações como patroa (agora tão bem representada no filme A que horas ela volta); enfim….tomando os assuntos para mim e partindo para o mundo. Sem querer ser pretensiosa e nem de longe fazer qualquer relação, Virginia Woolf fez isso ao falar da mãe, do assédio sexual pelos irmãos, da loucura, seu primeiro trabalho, e tantos outros assuntos sofridos ou não, e depois puxava seu novelo para formular ideias sobre literatura, teoria, crítica ou da ausência das mulheres nas Artes, etc. Com certeza não me arvoro a tanto, nem poderia.

Em um de meus últimos textos – Vulcão – , não foi diferente. Depois de 40 anos de ter vivido tsunamis sexuais e comportamentais, Quis falar disso, das tragédias pessoais, mas sem perder de vista o momento histórico, a década de 70, tantas dificuldades que vivi, mas não só eu, toda uma geração, e de perto, todas minhas amigas, e familiares. Escolhi a escrita fragmentada. Os flashes. para misturar tudo e dar uma conotação cifrada. Até porque depois que escrevemos nada mais é biográfico! tudo vira ficcional. Temos a liberdade de escrever sobre tudo. E o leitor preenche as lacunas. Não acho que me exponha tanto assim, e quando o faço, o faço deliberadamente, por algo maior, que é tentar transformar o pessoal em ficcional e político, sem no entanto parecer distante ou neutra. Não me interessa a neutralidade. E assim, sem muita pretensão, eu exponho minhas delícias e dores. Minhas conquistas e fracassos. Minhas perdas e danos.

Nascisismo- como diz Adriana Falcão – “é quando o olhar ricocheteia e volta!”

Ana Adelaide Peixoto – 21 de setembro , 2015


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